O caso do crepúsculo do ocaso
sumário .
I

O caso do crepúsculo do ocaso

O ar era límpido e translúcido, ninguém podia reclamar de poluição: Batista Campos é um dos bairros mais verdes de Belém. Talvez o grande problema seja o barulho. Onde fica o apartamento, na esquina da das ruas Serzedelo Correa e Conselheiro Furtado, é uma zona de escoamento de tráfego. Qualquer hora é hora de ronco de motores. O prédio Gilberto Mestrinho tem uma história interessante: foi projetado na década de sessenta mas só inaugurado nos anos oitenta, porque Gilberto Mestrinho, um dos principais proprietários do prédio, era governador do Amazonas. Tendo sido cassado pelo golpe militar, ficou desprovido de recursos para continuar a obra, o que fez com que ficasse interrompida por duas décadas.

Pep morava no nono andar desde os três anos de idade com a mãe. O pai apenas demorava. Como marinheiro, passava maior parte do tempo fora de Belém. Quando chegava, vinha repleto de presentes para a filha, que chamava carinhosamente de Pepita. De cada porto, um presente diferente. Em Belém seu grande passatempo era ficar com a filha. Não aceitava nenhum grande compromisso. Todo tempo disponível dedicava à menina - o que causava um grande ciúme em Conceição, a mãe, que assistia pela janela do apartamento o passeio diário dos dois na Praça Batista Campos - a cumplicidade das coisas simples, como dar comida aos peixes.

Na amplidão daquele apartamento de dupla sala e de quatro quartos - um deles biblioteca - onde havia livros de todos os lugares - inclusive um de mitologia de onde saiu o nome da pequena Pepita, Pepléria - as janelas filtravam aquela translucência do bairro por todos os cantos, imprimindo imagens nas paredes. As do seu quarto eram as mais coloridas. Devia ser por conta das cores da cortina - o que mais tarde, talvez, explicasse a paixão da menina por fotografia. Fotografias, aliás, havia aos montes e dos vários lugares por onde o pai passara.

Sempre que a luz do fim da tarde chegava - aquela que cobre a copa das mangueiras - Pep chamava para participar da projeção das imagens na parede seu vizinho e melhor amigo Hugo, cuja amizade cresceria em proporção direta ao tempo de convivência. A amizade dos dois, na verdade, começou no maternal, quando ambos estudavam no Colégio Santa Rosa. Depois que o pai de Pep faleceu, o seu grande apoio emocional e psicológico foi Hugo.

Nesse tempo a amizade deles se potencializou.


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