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IV
adj.,
sereno;
tranquilo;
sossegado;
pacífico.
Durante a primeira infância, Pepléria levava uma vida pacata, imposta pela mãe. Aos cinco anos conheceu Plácido, seu vizinho, que havia nascido na mesma data que ela, o que causava uma divertida estranheza na relação de amizade dos dois. Plácido foi como uma porta libertadora para Pep. A confiança na amizade dos dois fazia com que a rígida mãe de Pepléria deixasse-os sair das portas do condomínio que habitavam.
Enquanto as outras crianças do prédio adoravam ir à Praça Batista Campos brincar, comprar pipoca e dar comida para os peixes e garças, Pep e Plácido preferiam se divertir no cemitério da Soledade. Estranho ou obscuro demais? Para eles não. A rotina dos finais de semana se tornara vício e, todos os dias, sem que as demais pessoas soubessem, eles passavam pelo buraco deixado pela falta de cuidados com o muro do antigo cemitério e iam fazer os seus, agora tornados, rituais.
Eles já tinham dez anos.
A morte precoce do pai fez com que Pepléria ficasse ainda mais ligada em assuntos místicos e espiritualistas. Seguindo rituais ditos orientais comandados por Plácido, eles se escondiam sempre no mesmo mausoléu e acendiam velas para três espíritos escolhidos previamente, que haviam sido enterrados neste cemitério e eram cultuados como santos populares ou deuses apenas pelas duas crianças.
Além de cenário para os rituais, a Soledade também servia como pequeno pomar de uma fruta só para os garotos. Por várias tardes eles atiravam pedras nas árvores para coletar mangas e passar o resto da tarde degustando-as.
Apesar dos pais dos dois sempre insistirem em os dois serem “namoradinhos”, a relação entre Pep e Plácido era de uma amizade limpa, sem pretensões amorosas - tampouco sexuais - durante a recém chegada pré-adolescência.
O primeiro beijo de Pepléria, ao contrário do esperado por todos, não foi com Plácido.
Na verdade, Pep nunca viu seu amigo sequer aproximar-se de alguma mulher. Homossexual? De acordo com ele não. Apenas não necessitava de contato físico. Suas relações sempre foram mais espirituais do que carnais.
Não importa com quem ou com o que.
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