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VIII
Anacardiaceae
Naquele dia acordou com vontade de fornicar. Sentia o gosto de sacanagem em sua boca, o azedo sabor que ocupava a maior parte dos seus fúteis pensamentos. Vestiu seu “traje de caça”, como ele dizia; consistia em uma calça de linho branca (o único tecido que continuava branco, apesar de toda a imundície de sua toca), uma camisa azul, um sapato social preto intensamente engraxado, um boné de poeta e uma corrente de ouro adornando o peito ausente de pêlos, tudo isso temperado por um sutil, porém marcante, odor de chanel n. 5. Tal superprodução era conseguida, com muito “esforço”, graças aos rendimentos de sua atividade como empresário do crime; o pouco que restava de sua compra quase mensal de perfume francês, roupas elegantes, drogas, bebidas, motéis com cama redonda e espelho no teto, Waldo usava para sua sobrevivência, que, logicamente, era uma preocupação secundária.
Foi até seu costumeiro local de caça, a Praça da Bandeira, onde desfilavam intrépidas estudantes trajando saia azul-marinho e meia ¾, o que, definitivamente, atiçava seus instintos de macho vira-lata. Sentou-se aos pés de Simon Bolívar, protegido do sol do meio-dia graças a uma frondosa mangueira, acendeu sua cigarrilha de canela e esperou a saída de suas ninfetas serelepes. Aquilo para ele era um ritual, um processo que deveria ser respeitado, pois sabia que se ficasse ansioso comprometeria o sucesso de sua colheita. Não havia dia certo para acontecer (seguia seus instintos), mas, quando sentia que era o momento, seguia uma disciplina estranha à sua anti-rotina diária de gatuno.
Foi quando a mangueira, entediada com sua vida estática de árvore, resolveu atirar-lhe à cabeça uma de suas filhas. O fruto desprendeu-se do galho mais alto de sua mãe, displicentemente, como se não quisesse ser notado, perfurou o ar com a fúria silenciosa de um ninja e encontrou seu alvo com um estampido seco. Ninguém notou o homem caindo suavemente ao lado do Libertador da América.
Ao acordar, lambido por um cachorro, Waldo não lembrava ser Waldo.
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