

MANIQUEÍSMO – farsa em dois movimentos


por

Cardoso – Deus
Alcir Nicolau Pereira - Diabo
Fábio Henkel – consciência má/ Homem
Carla Gasparini – consciência boa/ Mulher
Pedro Gonzaga – narrador/ barman/ Mike
Movimento primeiro
E então EU disse, que se faça a luz. E que depois se apague, afinal de contas, para entrar en el CIELO só depois das Onze de la Notche. Marquei com o DIABO um pequeno CONLUIO, onde, decerto, decidiremos sobre os desígnios dos destinos de mais um desses mortais. O Diabo, como de costume, está ATRASADO. Esperemos, portanto. Uah (bocejo). Hm, lá vem o Barman...
– O senhor gostaria de beber alguma coisa?
– Me dá uma CAÇULINHA enquanto o DIABO não chega.
– Estamos em falta, Senhor. Sabe como é, contenção de despesas.
– Mais essa... Então me vê só o AMENDOIM, mesmo.
– Amendoins com ambrosia?
Nisso, o Diabo chega, e fazendo estardalhaço:
– LUZ? E as trevas, não vai nada, não?
– Finalmente! Grande Diabo! Como é que vai essa força?
– Deus, vamos disputar estes pecadores aqui da sala?
– E tu, Barman, suspende a ambrosia.
Antes de responder, o Barman escuta a voz da sua consciência má:
– Agora ele já pediu, faz pagar.
De sobressalto, Deus responde:
– Shhhh. Infiel!
O Barman fica apavorado. Será que Deus estaria lendo seus pensamentos e também teria escutado a voz de sua consciência má? O Diabo dá um tapão no braço de Deus e lasca:
– Olha aqui Todo Poderoso, vamos pegar um destes pecadores da sala e mandar pro inferno que eu capo ele!
Novamente, o Barman escuta a consciência má dentro de sua cabeça que, dessa vez, estranhamente, dirige-se diretamente ao Diabo:
– Grande Demo! Eu pago esta pra nós!
Influenciado pelo que acabara de ouvir, o Barman estende a questão ao cidadão fedendo a enxofre sentado à sua frente:
– O príncipe das trevas vai pedir o quê? Aqui o freguês só pode sentar se pedir alguma coisa.
Deus pondera:
– Olha aí, BELZEBAS, o pecador já querendo fazer a tua cabeça. Não vai por aí...
E o Diabo perde o controle:
– Deus, você que é bom de coração, aceita que eu coloque os pecadores na piscina do cocô, ou sente um deles na grelha?
– Vamos com calma, MEFISTÓFOLES...
O Diabo insiste:
– Deus, ontem eu vi, ouvi e senti também: o Barman soltou um pum dentro da igreja.
– É mesmo? Então acho melhor suspender o amendoim.
– É pecado soltar pum dentro da igreja?
– Se é pecado eu não sei, mas é de uma falta de higiene EXEMPLAR.
O Barman se zanga:
– Só pode fazer piada de barman se pedir alguma coisa!!!
– Escutai, infiel: me traz um copo d'água, mas LAVAI bem as munhecas – rebate Deus.
– Temos apenas água terrestre, serve?
– Tá bueno. Te toca lá pra cozinha que eu quero ter uma palavrinha aqui com o meu amigo CAPETA
– Claro, Senhor.
Assim que o Barman desaparece, Deus se vira pro Diabo e começa:
– Coisa ruim, me diz uma cousa... Aposto CINQUENTA pila que eu faço desse barman uma pessoa melhor. Tu topa?
Enquanto isso, na cozinha, o Barman era mais uma vez atormentado pela sua recém-descoberta consciência má:
– Barman, considere os fatos, hoje aqui na mesma mesa tens a honra de servir Deus e o Diabo. O que eu sugiro? Usar isto, óbvio. Quer uma idéia? Libera a bebida, tira umas fotos, vende para imprensa. O que achas?
Uma fração de segundo depois, eis que é a vez da consciência boa falar alto dentro da cabeça do Barman:
– Depende de nós.
É nesse momento que o Barman tem um treco, atira uma toalha no chão e ergue as mãos aos céus, berrando:
– Não há nada pior que ser Barman e ter consciência. Pior ainda duas!
No bar, o Diabo segue falando bobagem:
– Já que me chamaste de grande, vamos trocar de poder. Tou louco pra fazer umas sacanagens neste mundo teu, ou seja, neste mundo de Deus...
– Mas hoje tu tá que tá, hein LÚCIFAS? Tu costumava ser mais comedido.
– Deus, um padre muito do sem-vergonha tá arrastando uma asa pra madre-superiora. O que tu achas disto? Ele é meu ou teu?
Percebendo que o Diabo já se encontrava profundamente alterado ainda antes de ter tomado a primeira cerveja, Deus tentou trazê-lo de volta ao mundo real:
– Mas e então: 50 pilas na mesa. Se eu fizer ele lavar essas mãos e parar com essa emissão de gases, eu ganho e tu não podes fazer nada com ele. Se ele soltar outro pum, vai pro inferno contigo.
– Que nada, pago o dobro e trago este barman para o inferno! Ele vai se encantar com as diabas lindíssimas aqui do inferno.
Na cozinha, o Barman ainda está envolvido com as vozes na sua cabeça:
– Ei, vozes da minha cabeça! Que tal se vocês trocassem uns sopapos? Seguirei o vencedor.
– Vai por Deus. – diz a consciência boa.
– Por Deus? E o que eu ganho com isso?
– Não se perca no caminho das bebidas!
– O que está acontecendo comigo? Só escuto uma voz de bondade dentro da cabeça.
O Diabo já não falava nada com nada há quase dez minutos. Além de ignorar solenemente todas as tentativas de Deus de estabelecer um diálogo que fizesse qualquer sentido, o TINHOSO também havia entrado numas de chamar o Barman de BARBA, apesar do fato de que era completamente calvo, não possuindo cabelos, sobrancelhas, nem sequer a mais suave sombra de pêlos sobre a face. Ele voltava da cozinha com dois copos de água quando foi surpreendido por uma ordem direta do CAPETA:
– Barba, traga aqui no inferno uma dose de cachaça pra mim! Bota um pouco de pólvora pra dar vigor! Bota bastante que é pra eu quando afrouxar queimar até os FUNDIOJOS das cuecas!
– Esse é o DIABO que eu conheço: não me dá ouvidos – suspira Deus.
O Diabo pega um dos copos que o Barman trazia na bandeja e o levanta na altura das suas sobrancelhas. Ele o observa por alguns segundos e então grita com o Barman:
– BARBAN, BARBAN, tu tá a fim de me ralar, água da Terra é do Guaíba?
O Barman não se atreve a dizer nada. Como se houve perdido repentinamente o interesse no seu interlocutor, o Diabo se volta para Deus, cuja paciência estava chegando ao fim. Ora, até mesmo para DIABRURAS existe um limite e hoje o Diabo estava por demais da conta! Com um riso escarninho no canto da boca, ele falou ao Criador:
– Deus, me responde uma coisa. Como é viver sem mulher aí no céu?
– Quem disse que não tem mulher aqui? – responde YHWH – Ou melhor, lá? Onde a gente tá, afinal? – Deus fica confuso.
– Não interessa. Tem mulher aí?
– Se tinha, tá enganando muito bem.
– Pra que mulher? Me disseram que anjo não tem sexo.
– Ué, e quem é que costura as nossas ROUPAS? Eu não me dou bem com a agulha.
Hipnotizado pelo surreal da conversa, o Barman permanecia parado como uma estátua do outro lado do balcão. A consciência boa resolveu dar-lhe um conselho:
– É melhor não entrar nessa guerra dos sexos, Barman...
E foi nesse momento que ele realmente se BORROU de pavor, quando o Diabo o olhou no fundo de seus olhos e lhe fez a seguinte pergunta:
– BARBAN, qual de tuas consciências está vencendo? Tomara que seja a má, aí eu te pego e te penduro pelo saco no alto do inferno!
“Oh céus”, pensou. Ou talvez tenha pensado “que inferno”, afinal de contas, a pergunta significava que o Diabo também podia ler seus pensamentos!
– É melhor não entrar nessa guerra das consciências, ou ficaremos todos alucinados – advertiu-lhe a consciência boa.
– Proponho repensar, a vida, o céu, o inferno enfim: o texto! – acrescentou a consciência má.
O Barman achou uma excelente idéia, afinal de contas, Deus já havia perdido o respeito por completo, e o Diabo corria e saracoteava por todo o bar gargalhando e gritando, enquanto apontava para um constrangido Ser Superior que tentava esconder o rosto atrás do guardanapo:
– Deus costureirooooooooooooooooo!
[Interlúdio]
Movimento segundo
Somente um barman pode ter a idéia verdadeira da duração de uma noite. Aquela, definitivamente, era uma das longas. O casal junto ao balcão há muito não pedia nada. Eu estava quase dormindo quando aquelas duas figuras sinistras cruzaram a porta do bar. O sujeito vestido de branco se aproximou de mim e disse:
– Por obséquio, FIEL, sirvai para esta cansada figura uma CAÇULINHA?
O de vermelho, carrancudo, me ordenou:
– Olha, diabo que se preze não bebe essa tal de caçulinha! Quero uma cachaça com pólvora. Daquelas que rompe cueca quando a gente solta pum!
O casal olhou as duas figuras com certa surpresa. Ele se voltou para ela e fez um comentário maldoso:
– Já senti o cheiro. Sentiu?
– Do incenso ou do enxofre?
– Incenso? Para mim parece perfume da Andradas
– Hahahaha!!
Encostado no balcão, não muito longe do casal, Deus propõe ao Diabo:
– Pois meu velho amigo Belzebu, observa aquele casal ali. O que tu achas se a gente fizesse uma APOSTA pra apimentar a nossa noite? E a deles, claro...
– Eu vim aqui neste boteco pra levar alguém pro inferno. Ou um deste casal, ou este barman com cara de tarado. Já olhei, ela tens umas pernas legais...
Retorno com as duas bebidas, meio confuso com aquela profusão de vozes onde antes só havia silêncio. O cara que havia pedido a caçulinha falava ao outro, que havia pedido a cachaça com pólvora:
– Então eu proponho o seguinte: CINCOENTA dinheiros na mesa. Se eu levar mais almas pro CÉU, eu ganho. Se tu levar mais pro INFERNO, tu ganha. Como são TRÊS, não tem essa de empate. Tá nessa ou vai te ACOVARDAR?
– Aceito. – O Diabo ri. Depois segue: – Olha esta espelunca, tu achas que dá pra resar aqui?
Incomodado pelo cheiro medonho que emana do CAPETA, o Homem resolve tomar uma atitude e fala com a dupla:
– Por favor, o senhor com a barbicha comprida. Poderia se afastar um pouco?
– Mais respeito com os mais velhos, INFIEL! – Deus fica magoado.
– Eu estava falando com o outro. A sua não é barbicha. É macega.
Notando que a conversa começava a tomar um caminho perigoso, a Mulher tentou conter os ânimos do Homem:
– Calma... Já devem estar bebaços...
– Por sinal, isso são horas de andar na rua? Ainda mais em companhia de mulheres. A mãe da mocinha não está preocupada? – Deus repreende o casal.
– Mocinha? – admirou-se o Diabo – Hahahahah! Se essa aí é mocinha, eu sou um santo!
– Sempre achei que o Diabão era careta! – se zanga a Mulher.
Foi então que o Homem perdeu a paciência e se levantou, acenando o braço em direção à cozinha:
– Barman. A conta. Agora.
– Peraí, vamos só terminar o Passport... – protestou a Mulher.
Senti que ia haver encrenca logo, logo.
– Pqp! Resar é com S ou com Z? – berrou o Diabo.
– Com S, amigo. – corrigiu, o Homem.
– Pô, Belzebu: bem que eu te avisei pra continuar na escola. É com Z. – ensinou Deus.
– Aposto que é com S – provocou, o Homem.
– Se bem que RESAR é com S e REZAR é com Z. Grande questionamento filosófico. Esse COISA RUIM é mesmo o pai da discórdia.
– Posso consultar no meu note, se quiser. Tem o corretor ortográfico mais moderno do mundo, em inglês...
– Inglês é a língua da perdição. Eu ensino HEBRAICO nas horas vagas. Tu não quer ver um panfleto?
– Deixa aí.
Sorrateiramente puxei o bastão de beisebol que guardo debaixo do balcão. É um modelo americano coberto de alumínio. Coisa finíssima. Mal viu a pontinha do cabo, o Diabo já se pronunciou:
– Barman, onde vais botar este taco de beisebol? Se vais colocar em alguém, coloca em Deus, que ele te perdoa...
– Velho Satã. O que me ofereces para te prestar esse glorioso serviço?
– O que você quer para usar o taco em Deus?
– O que você pode me oferecer, Satã?
Deus perdeu as estribeiras com o rumo daquela conversa:
– E tu, ô, Barman? Não acha que UMA E MEIA da manhã é meio tarde pra estar aí comercializando a DEVASSA de nossos jovens? Eu, se fosse tu, não me servia.
– As regras da casa são claras, Senhor. Servimos enquanto os clientes tiverem dinheiro!
– Viu, tirar o vil metal dos outros é um dos pecados capitais! – O Diabo tentou passar um godô em todo mundo.
– O dinheiro é a perdição. Por isso eu criei a FILANTROPIA. – rebateu Deus.
– Não me venha com essa de filantropia, ó Deus! Aqui bebeu tem que pagar! – finalizou o Barman, querendo garantir o leitinho das crianças.
– Peloamordedeus, falem um por vez! – implorou o Homem.
– Ihhh, acho que vou perder essa aposta... Preciso tomar alguma providência. – pensou Deus, pouco antes de fazer TCHAN e dizer – Pronto: transformei o VINHO em ÁGUA. Ganhei! Ganhei! Ganhei!
O ambiente estava caótico.
– Cadê meu vinho? – berrou o Homem, indignado.
– Deus, posso provar o cálice? Não te importas? – propôs languidamente a Mulher.
– Prova, minha filha. Prova tudo. – admitiu o Todo Poderoso.
– Se provar não fala mais comigo. – decretou o Homem.
– Tá bom...Estava só querendo ver se o vinho era santificado!
– Garçon, provoca o homem pra ele cometer algum pecado... – disse o Diabo para o Barman.
– Ele já está com essa mulher de má fama. Que pecado mais você quer?
– Quero que ele coloque aquilo naquilo, eta pecadinho do bão!
– Nem vem, Diabo, nem vem. – Deus incomodou-se.
– VOU E VOU – teimou Coisa Ruim.
Olhei para o telefone. No ritmo que as coisas iam, seria preciso chamar o Mike.
– Olha que eu faço outro milagre, hein? – Disse Deus, antes de fazer novo TCHAN e transformar o Homem em Padre.
– Pelo que sei, esse Padre pega é a madre superiora, o que também é pecado!
– Cabou-se a brincadeira: Ganhei! Ganhei! Ganhei!
– Ei, cambada!!! Vamos parar com essa chacrinha! Ou terei que chamar um velho conhecido – disse o Barman, enquanto golpeava o balcão. Foi então que o Homem-Padre disse:
– Fico do lado de quem pagar minha conta.
– Vou ganhar esta aposta – disse o Diabo.
– EU PAGO! JÁ PAGUEI! JÁ PAGUEI! TCHAN: a conta do HOMEM-PADRE está paga. – adianta-se Deus – Quero ver o que tu vai fazer agora, Diabo...
– Antes ou depois que tu tirar o taco de lá?
– Tô falando da conta da faculdade dos meus filhos. – complica o Homem-Padre.
– Pagarás as minhas também, Deus? – empolga-se a Mulher.
– Sai prá lá, Mulher, tô prestando atenção na conversa. – disse o Homem-Padre.
Deixei os quatro e puxei o aparelho que ficava perto da cozinha. Somente o Mike poderia dar um jeito nessa confusão.
– Garçon, vou te contar uma coisa: os teus filhos não são teus, não. Um é do padeiro e o outro do vizinho – provocou o Diabo.
– Esse é o Diabo que eu conheço. – falou Deus, pouco antes de notar a presença de um outro homem no recinto e proferir, em tom surpreso: – Ih, chegou alguém aí.
Mike arrasa-quarteirão. Ex-presidiário, campeão do torneio interno de boxe do presídio central.
– E esse parece dos teus, hein, COISA RUIM? – observou Deus.
– Mike, meu rapaz! – entusiasmou-se o Barman – Quero ver você botar fogo no circo! Pode bater até na mulher!
– Tou sentindo que só tem PECADOR nessa BIROSCA. – Deus temeu pelo pior – Vou chamar uma SARÇA ARDENTE pra cima de todo mundo se alguém não se converter agora mesmo! – ameaçou.
Mike encara os quatro com os punhos fechados.
– Ei, Deus, para onde tu vai com a minha mulher? – perguntou o Homem-Padre
– Shhhhh... Quieto, INFIEL. – foi dizendo, enquanto levava a Mulher para o bom caminho.
– Ei, Diabo. Faz alguma coisa. – apelou o Homem-Padre, em vão – Se foram. – suspirou.
– Homem-Padre, ele vai ensinar a ela oral... Ops, orar. – disse o Diabo.
– E eu lá sou mulher objeto, decerto...
– Pessoal, o bar vai fechar. Saiam numa boa ou o Mike vai ter que agir. – disse o Barman.
– Ok, ok. Só deixa eu pegar meu Note. – falou o Homem-Padre.
Saí do balcão e comecei a virar as cadeiras. Aparentemente desistindo da idéia de ir embora com a Mulher, Deus entra voando pela porta, cai bem no meio do salão e começa a falar:
– Seguinte, rapeizo do ROCK, já cansei dessa brincadeira: Fiat lux.
– Fiat lux é uma variante de FDP? – provoca o Diabo.
Acendo as luzes.
– Diz o barman que foi ELE, mas a real é que fui EU.
– Afinal, vamos ficar com quem mesmo? Tu, Deus, fica com os homens, e eu fico com a mulher – diz o Diabo.
– Tá bom. Eu fico com o Mike. – conforma-se o Homem-Padre.
– Ei, o Mike é meu!!! – protesta o Barman.
– XIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII, decreta o Diabo.
– Não, o Mike é MEU! – interfere Deus.
– Se for o Mike Jackson, eu nem eu quero – diz o Diabo.
– Tá mulher, cai fora que o negócio agora é bailinho gay. Solta o globo! – intima o Barman.
– Mike. Vem aqui. Nem pensa em sair do meu lado. – diz o Homem-Padre.
– Ih, vai começar a discussão sobre o que "é meu?" – diz a Mulher, visivelmente aborrecida.
– Eu lá sou Homem-Padre de perder aposta? – questiona-se o Homem-Padre.
– Mulher, só te digo uma coisa: o TEU lugar é na COZINHA. Pega uns QUITUTES pra nós ou te transformo em estátua de SAL. – ameaça Deus.
– É isso aí. – diz o Homem-Padre.
– Viva o Mike! Mostra o que tu sabe fazer! – vibra o Barman.
– Vâmo bebê para comemorá! – berra o Homem-Padre, que depois perde a compostura ao dizer: – Dança Mike. Dança.
Mike puxa sua roupa de velcro e fica com uma sunguinha de pantera.
– Uhuuuuuuuu... vou por um Iggy Pop! – entusiasma-se a Mulher
– E esses quitutes que não chegam? – impacienta-se Deus.
– Quitute de Deus é algodão doce de nuvem! – provoca o Diabo.
– Ih rapaz. Olha lá o Mike dançando tango com o demo – surpreende-se o Homem-Padre.
– Larga do Mike, Belzebu! – demanda o Barman.
– Como ele agüenta o enxofre? – diz o Homem-Padre, ainda surpreso.
– Cada um que agüente seu odor. O meu é enxofre, e o teu Barman, qual é?
– O meu é Leite de Aveia Davene.
– Colônia francesa. Né, Mike? – intromete-se o Homem-Padre.
– O Mike é coisa nossa! – celebra o Barman.
– Deus, o negócio é a gente se divertir. Traz uma bira lá rapaz. – pede o Homem-Padre, já cheio de intimidades a essa altura do campeonato.
– O negócio é o seguinte: todo mundo pelado! – passa dos limites o Barman.
– Acabou-se o mundo. – sente Deus.
– Acho que a coisa vai ficar negra pro meu lado... Vou preparar uns quitutes – diz a Mulher.
– Ali, filhinha. A frigideira fica debaixo da pia. – orienta o Barman.
– Não junta que ele tá com má intenção: abaixou, levou. – advertiu o Diabo.
– Uhuuuuu!!!!!! Adoro esta música. – extravasa o Homem-Padre, para depois se arrepender – Ops... Eu quis dizer: acho interessante esta música.
Resolvo apagar novamente as luzes. Senti que logo chegaríamos ao ninguém e de ninguém.
– Peraí, peraí, peraí: eu sei cantar um FREDDY MERCURY bem pegado. – proclama Deus antes que eu chegue ao interruptor – Prestem atenção...Um... Dois... Três...
– Bum – diz o Homem-Padre, de sacanagem.
Deus faz novo milagre e transforma TODOS os presentes em PEIXES. O céu em terra, a terra em água, o dia em noite, o Diabo em cordeiro, que bale:
– Transforma o barman numa sereia, vai, Deus, faça isso...
– Ai, cordeirinho. – o Homem-Padre-Peixe tenta se arriar.
Cria-se novo paraíso.
Sobram apenas consciências maldosas ecoando no infinito.
E o Mike.
Acordo lavado em suor.
Meus pesadelos estão ficando cada vez melhores.