Uma vez que o Gonzo Journalism é muito mais focado na experiência vivenciada pelo jornalista do que no fato em si, torna-se indispensável fazer menção a todos os detalhes que ajudem a recriar com maior fidelidade esta experiência - seja ela qual for. Hunter Thompson celebrizou-se por consumir drogas em grande variedade e quantidade durante a confecção de suas reportagens, detalhe que desde que se tornou público, sagrou-se indispensável para uma melhor compreensão da ação que se desenrola em seus textos. Isto não quer dizer que, para ser Gonzo, todo jornalista precisa necessariamente consumir drogas - ainda que seja uma prática bastante comum também entre os autores modernos. Em uma primeira comparação poderíamos afirmar erroneamente que não havia consumo de drogas ou álcool entre os autores do New Journalism. Podemos sim dizer que, se havia, ao menos não era tratada de forma tão aberta quanto no Gonzo Journalism. É fato, contudo, que muitos dos representantes do New Journalism eram consumidores inveterados de álcool. A imagem do artista - sobretudo o artista da palavra - embriagado é uma constante na história universal: DeQuincey, Baudelaire, Bukowski, Hemingway, Burroughs e toda a geração beatnik são alguns dos inúmeros exemplos que se encaixam perfeitamente nesta categoria. Ainda que muitos dos representantes do New Journalism fossem alcoólatras confessos, poucas menções a esse respeito eram feitas nos seus textos. Esta postura explica-se pelo fato dos praticantes do New Journalism não serem os protagonistas das suas narrativas, apenas meros observadores. Desta forma, o relato do consumo de drogas ou álcool pelo autor justifica-se quando esta informação é indispensável para o pleno entendimento do texto, especialmente quando este é de caráter confessional, ou seja, com o uso do foco narrativo na primeira pessoa. Entretanto, um dos maiores erros que se comete na tentativa de conceituar Gonzo Journalism é reduzi-lo à simplicidade de ser apenas uma forma de jornalismo feita sob o efeito de drogas. Gonzo é também isto, mas não apenas isto. Apesar de ser uma das características mais determinantes para classificar um texto como Gonzo, o uso de drogas não é a única. De nada adianta o uso de drogas se o texto não for redigido em primeira pessoa ou adotar um caráter mais austero, por exemplo. A justificativa mais plausível para o uso de drogas no Gonzo Journalism nos remete ao legado deixado por Hunter Thompson, que abusava abertamente de álcool e drogas em grande quantidade e variedade. Logo nas primeiras páginas de Fear and Loathing in Las Vegas, ele descreve todo o material de trabalho que levava no porta-malas do carro: Nós tínhamos duas bolsas de fumo, setenta e cinco botões de mescalina, cinco cartelas de ácido extremamente potente, um saleiro cheio até a metade de cocaína e toda uma galáxia de multi-coloridos estimulantes, tranqüilizantes, gritantes, hilariantes... e também um quarto de tequila, um quarto de rum, uma caixa de Budweiser, cerca de um litro de éter e duas dúzias de nitrito de amila (1971, p.4) A exemplo do que acontece com o uso da ironia e do sarcasmo, o apreço pelas drogas é uma característica intrinsecamente ligada ao criador e principal autor do gênero e isso também influencia os seus seguidores, de uma forma parecida com o que acontece com ídolos do rock ou do cinema. Por conta da crescente popularidade de seus artigos na Rolling Stone e suas posições sempre polêmicas a respeito das drogas, Thompson tornou-se um ídolo pop na década de 70 nos Estados Unidos, o que lhe garantiu um status singular no panorama literário da época. Othitis, por exemplo, afirma que "ele é provavelmente um dos poucos escritores de hoje que tenha groupies, de fato" (1994). Naturalmente, a fama relacionada ao seu comportamento baderneiro e ao consumo de drogas lhe concedeu uma espécie de salvo-conduto entre os jovens e representantes da contracultura, que passaram a respeitá-lo e admirá-lo com um ídolo. O fato de escrever na Rolling Stone, principal revista de rock dos Estados Unidos, também facilitava os contatos com gente relacionada à música e ao cinema, abrindo-lhe as portas para o jet-set e, conseqüentemente, aumentando o seu consumo de álcool e drogas. Já que não se prendia a nenhuma regra mais estreita e gozava do respaldo concedido pela Primeira Emenda* da Constituição dos Estados Unidos da América, Thompson sentia-se livre para falar sobre as suas experiências da forma mais visceral possível.
Depois do movimento hippie, grande parte dos Estados Unidos sentia-se confortável para fazer experiências com drogas ou, ao menos, falar sobre o assunto com alguma naturalidade. Por conta disso, muitos leitores identificavam-se com os escritos de Thompson, seja por encontrar neles experiências semelhantes às que estavam praticando ou apenas por terem saciada a sua curiosidade sobre elas. É curioso observar a alta incidência do uso de drogas entre os autores Gonzo modernos, o que se explica pelo crescimento da cultura de drogas no ocidente nas últimas três décadas. Desencadeada pelo movimento hippie, a cultura das drogas ganhou cada vez mais espaço através das decisões polêmicas de países como a Holanda - onde o uso de drogas é permitido em locais específicos - e do crescente número de organizações e manifestações espontâneas a favor do uso recreativo de substâncias alteradoras da consciência. O crescimento do tráfico internacional demonstra que mais pessoas consomem cada vez mais drogas. Este cenário também possibilita uma maior troca de informações entre os usuários e fomenta a criação de periódicos como a High Times, revista norte-americana especializada no cultivo e uso da maconha. Em Paraíso na Fumaça (2002), o Editor de Cultivo da High Times, Chris Simunek encontra espaço para falar sobre os bastidores de suas reportagens para a revista e relata suas experiências com os mais variados tipos de droga, visto que a postura editorial da High Times não admite artigos sobre nenhuma outra droga que não a maconha. Simunek apresenta suas histórias sob a forma de uma narrativa debochada, em primeira pessoa, na qual é difícil discernir a ficção da realidade. Em resenha para o website E-pinions, Andrew Hicks faz a seguinte comparação: Este é, como Fear and Loathing in Las Vegas, "uma jornada selvagem ao coração do Sonho Americano", e não importando o estado mental, Simunek consegue reconstruir os eventos com precisão para nos imergir na moderna cultura de drogas. Ele é um competente sucessor do Gonzo Journalism de Hunter S. Thompson, disposto a ir para as trincheiras da mesma forma. (2000) Enquanto no New Journalism o repórter adota uma postura de guardião da informação, o Gonzo Jornalista faz questão de descer deste pedestal e se misturar às pessoas comuns, exibindo suas opiniões e expondo suas qualidades e defeitos. Ainda que aborde suas fontes muitas vezes na qualidade de jornalista, o gonzo não o faz a partir de um distanciamento que essa aura poderia lhe conferir, mas em um nível de igualdade, não no papel de coletor de informações, mas sim de mercador delas - o que remete mais uma vez à técnica da osmose, descrita anteriormente neste trabalho. Esta informalidade possibilita a inserção da vida pessoal do repórter na sua reportagem (como a menção ao uso de drogas, por exemplo) mas também pode dar a impressão de que o jornalismo pode ser praticado por qualquer um e de qualquer forma, o que não é necessariamente verdadeiro. Assim, é bom que se observe que ainda que apresente o uso de drogas como uma constante, esta não é a característica essencial para categorizar um texto como representante do Gonzo Journalism. Gonzo Journalism é composto de uma série de técnicas especiais de reportagem que vão da captação à redação, onde o uso de drogas é apenas um elemento adicional que pode ou não ser usado, dependendo exclusivamente do julgamento do repórter.
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