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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS



3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM


3.4. Sarcasmo e Sobriedade

Ainda que seja um movimento que proponha mudanças estruturais no modo como se faz jornalismo, o New Journalism sustenta sua coerência dentro de uma lógica que o permita abusar de recursos narrativos da ficção sem desrespeitar gravemente algum dos preceitos básicos do jornalismo imparcial norte-americano. Esta característica indica a preocupação que o gênero tinha com a sua legitimação, o que também lhe confere um tom mais sério, herança da imagem do jornalista desta mesma escola jornalística.

Em oposição a esta seriedade formal - apesar do tom leve e descontraído de muitas narrativas em New Journalism - uma das características mais fortes do Gonzo Journalism é o uso de ironia e sarcasmo como senso de humor, que vai muito além do texto em si. O humor ácido de Thompson aparece como característica indissociável de sua personalidade mesmo quando fala sobre os conceitos do jornalismo tradicional, propondo a derrubada de falsas máscaras de objetividade jornalística em declarações como:

Todos procuramos por ela mas quem pode apontar a direção? Não se dê ao trabalho de procurá-la em mim – não sob nenhuma linha escrita por mim; ou por qualquer outro em que se possa pensar. (Thompson apud Giannetti, 2002, p.27)

Isso não quer dizer que o Gonzo Journalism seja tendencioso ou parcial, necessariamente. O próprio Thompson, durante a campanha para as eleições presidenciais de 1972 tece comentários igualmente negativos sobre Nixon, seu desafeto, e McGovern, candidato do qual sempre se declarou apoiador. Este último teria dito, inclusive, que Fear and Loathing on the Campaign Trail '72 foi "o livo mais factual e o único realmente fidedigno sobre a eleição" (Carroll, p.153-154).

O Manual da Redação da Folha de São Paulo sustenta que "não existe objetividade em jornalismo" (2001, p.45), uma vez que o jornalista toma uma série de decisões "em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções" (2001, p.45) em todas as etapas do processo, da escolha do tema até a sua edição. Dentro desta lógica e sendo o senso de humor ácido uma das mais marcantes características de sua personalidade, Thompson não poderia se ver livre de introduzi-lo na sua obra. Sendo criador e principal nome do gênero, é natural que todos os seus seguidores inspirem-se e façam uso desta ferramenta de linguagem na redação de seus textos.

O escritor e sociólogo paulista Eduardo Fernandes, editor da revista eletrônica Fraude* e criador de uma ciência que chama de Gonzologia*, dá um bom exemplo desta característica no texto Nossos Coreanos são mais Japoneses: até os organizadores da Copa do Mundo Confundem Coréia com Japão, publicado na edição de 10 de julho de 2002 da Irmandade Raoul Duke***:

Onde encontrar coreanos legítimos em São Paulo? Nesta cidade todos somos paraguaios, italianos, nordestinos, armênios. Aqui, se dois alemães puro sangue resolvem ter um filho, pode ter certeza: nascerá um pernambucano. (Fernandes, 2001)

*http://www.fraude.org

**Gonzologia é a aplicação dos principas conceitos do Gonzo Journalism no estudo da sociologia.

***A Irmandade Raoul Duke é uma revista eletrônica que edita artigos escritos conforme os preceitos básicos do Gonzo Journalism.

Uma forma um pouco mais sutil deste aspecto aparece na mesma edição da Irmandade Raoul Duke, no texto O Et de Vagina, de Paula Pó, pseudônimo da jornalista matogrossense Fabrina Martinez, repórter da Revista UFO, especializada em ufologia:

O interessante é que a América Latina, apesar da fama de seus homens, é uma das áreas com o menor índice de envolvimento sexual entre espécies. Os Estados Unidos se encontram na liderança absoluta dos casos de sexo com alienígenas, inclusive com registros de crianças e/ou seres híbridos. Isso explica muitas coisas, entre elas o Michael Jackson. (Martinez, 2001)

Contrastando com o senso de humor latente encontrado nos textos Gonzo está a sobriedade do New Journalism, ainda que muitas vezes os temas das reportagens estivessem ligados às manifestações de contracultura. Edvaldo Pereira Lima diz que "uma característica bem específica do new journalism americano foi o embarque numa certa efervescência que acontecia naquela época por foca da contracultura." O perfil do produtor musical Phil Spector, escrito por Tom Wolfe para o suplemento dominical do Herald Tribune, o New York, em 65 ou mesmo os relatos sobre as manifestações contra a Guerra do Vietnam escritos em 67 e 68 por Norman Mailer encaixam-se nesta descrição.

Este foco na contracultura também é responsável pelo surgimento do jornalismo de rock que, segundo Christine Othitis, é "primo do New Journalism" (1994a). O jornalismo de rock utiliza-se das mesmas técnicas importadas da ficção na apuração e redação dos textos jornalísticos e ganha ainda mais força nas décadas seguintes graças ao crescimento da indústria fonográfica nos Estados Unidos e de publicações como a Rolling Stone, principalmente. O jornalismo de rock, naturalmente, não é tão sério quanto o New Journalism mas, em sua maioria, não atinge as exigências básicas para ser considerado gonzo, ficando no meio do caminho entre os dois gêneros.

Até aqui podemos concluir que um dos motivos determinantes para a sisudez do New Journalism vêm da tradição da imprensa norte-americana de praticar um jornalismo imparcial e, portanto, sem a presença de opinião. Isto justifica a distância elegante que os praticantes do New Journalism costumavam adotar em suas reportagens. Mas talvez mais determinante que isso seja o fato do New Journalism ser um estilo de narrativa de não-ficção utilizado por jornalistas com pretensões literárias reais, isto é, repórteres que desejavam ter seus méritos literários reconhecidos pelos intelectuais da época. Para ratificar o caráter quase acadêmico do movimento, a eles somam-se ainda os escritores de ficção reconhecidos cujas carreiras literárias se encontravam em decadência antes de ingressarem no gênero, como Norman Mailer e Truman Capote.

O caminho mais fácil encontrado para cumprir estas exigências seria a criação de um gênero híbrido que mesclasse a ficção e a não-ficção, extraindo o que há de melhor em ambos. Qualquer texto produzido dentro deste gênero deveria ser aceito como obra de não-ficção, garantindo, portanto o seu espaço em periódicos noticiosos, posto que era este o único veículo de que dispunham para a publicação de seus textos na época. Ao mesmo tempo que não deveriam abandonar as características que os fazem jornalísticos, estes textos fariam uso de técnicas e recursos estilísticos usados nos formatos mais populares da literatura de ficção como o conto e o romance.

Ainda que não fosse um movimento uniforme, o New Journalism cresceu através do processo da imitação, principalmente depois do sucesso de A Sangue Frio, de Capote. Este posteriormente chegou a fazer referências a Mailer como "imitador" de um estilo de escrever que ele, Capote, afirma ter desenvolvido sozinho para escrever o supracitado livro. Fato é que o êxito de Capote fez com que textos escritos seguindo os preceitos básicos do New Journalism descritos no capítulo I deste trabalho proliferassem na imprensa norte-americana: repórteres aspirantes a escritores enxergavam no New Journalism um rápido vislumbre do Sonho Americano.

Entrar no seleto clube não era fácil, portanto uma série de formalidades precisava ser observada. Por ser extremamente formal não só a cobrança quanto aos parâmetros jornalísticos cresceu, como se criou um novo tipo de preocupação - a de atender a um padrão de qualidade literária mínima. Toda essa normatização que nasce junto com o New Journalism contribui para fazer dele um gênero muito mais sério, onde todas as regras precisam ser observadas para que os elementos funcionem em harmonia. É o único jeito de ficar alheio às críticas vindas tanto dos jornalistas quanto dos acadêmicos de letras. É, também, portanto, um gênero muito menos espontâneo - em contraponto direto com o Gonzo Journalism.

Mesmo a observância de regras rígidas não livrava os praticantes do New Journalism das críticas. Repórteres tradicionais, como Haynes Johnson, do Washington Post, eram críticos ferrenhos do estilo, segundo relata H. Eugene Goodwin na monumental pesquisa Procura-se Ética no Jornalismo:

Quando Tom Wolfe e as pessoas que se intitulam elas próprias de Novos Jornalistas inventam as personagens e nos dizem o que as pessoas pensam porque falaram com muitas delas, bem, eles estão fazendo o papel de Deus... Ninguém pode inventar citações e personagens e dizer que isso é jornalismo. É uma coisa diferente e deveria ser catalogada diferentemente. (Johnson apud Instituto Gutemberg, 1998).

Já o Gonzo Journalism é declaradamente iconoclasta e se propõe a não respeitar nenhuma regra - nem as que o próprio Thompson inventa. Por não se levar a sério, é natural que o senso de humor seja uma característica marcante neste gênero. O Gonzo Jornalista ironiza o objeto de sua reportagem, a sua linguagem e a sua própria condição de jornalista, posto que o gonzo é um gênero não-legitimado. Segundo Othitis, Thompson "tirava sarro da sua própria profissão, avacalhando de um jeito ou de outro matérias esportíveis perfeitamente críveis." (1994a)

Além do mais, ainda que seja o inventor do gênero, Thompson não tinha a intenção de criar uma nova escola literária. Pela baixíssima ocorrência de trabalhos acadêmicos que contemplem este tema, até pouco tempo atrás, Gonzo Journalism servia apenas para designar a produção de Hunter Thompson a partir de The Kentucky Derby is Decadent and Depraved e não admitia oficialmente nenhum outro autor sob essa égide. As suas peculiaridades estilísticas, entretanto, influenciaram diretamente os trabalhos de novas gerações de jornalistas e escritores que agora já tem consistência e volume suficiente para serem classificados sob a mesma categoria.

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