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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS


2. GONZO JOURNALISM

2.1. Hunter S. Thompson e as
origens do Gonzo Journalism

No começo da segunda metade da década de 60, em pleno auge das novas liberdades editoriais de que gozava o New Journalism na imprensa norte-americana, surge uma interpretação extremada dos seus princípios sob a forma de um jornalista free-lancer do Kentucky, chamado Hunter S. Thompson. Criador e principal representante de uma modalidade de jornalismo literário denominada Gonzo Journalism, Thompson propôs a transposição da barreira essencial que separa o jornalismo da ficção: o compromisso com a verdade. Também chamado de jornalismo fora-da-lei, jornalismo alternativo e cubismo literário, o gênero inventado por Thompson tem sua força baseada na desobediência de padrões e no desrespeito de normas estabelecidas, além da insistência em quatro grandes temas: sexo, drogas, esporte e política.

Uma vez que as origens e postulados do gênero estão intimamente ligados à vida do próprio Thompson, faz-se necessário um breve histórico do autor.

Hunter Stockton Thompson nasceu durante a Depressão norte-americana, em 18 de julho de 1939 (as biografias divergem quanto ao ano, registrado algumas vezes 1937), em Louisville, no Kentucky, estado sulista que, segundo a pesquisadora canadense Christine Othitis conta com um "rico folclore no que diz respeito a varrer da face da terra tribos indígenas e monstros, além das conexões com grupos de ódio" (1994). Criança hiperativa, Thompson tinha a tendência de empregar sua energia para fins violentos e destrutivos, como o provalecimento na escola e a destruição de propriedade. Além de ser conhecido na vizinhança pelo hábito de atirar pedras e disparar armas de pressão, uma de suas brincadeiras preferidas durante a infância era "Norte-sul" (Othitis , 1994), na qual ele e seus amigos reproduziam batalhas da Guerra Civil norte-americana. As relações com a escrita e os desvios de conduta acompanham Hunter desde muito cedo. Aos oito anos de idade, Thompson é convidado pelo amigo Walter Kaegi Jr., então com 10 anos, a escrever sobre estas batalhas para um jornal de bairro chamado Southern Star. Na mesma época é registrado o seu primeiro atrito com a lei:

Ele e um grupo de garotos vandalizaram um banheiro masculino do Parque Cherokee, atirando latas, espalhando lixo e pichando as paredes. O grupo foi pego pela polícia e levado à delegacia, onde uma ocorrência chegou a ser preenchida. (Giannetti, 2002, p.22)

A constante presença de álcool e drogas na sua narrativa não é acidental. Seus pais, Virgina Ray e Jack, eram alcoólatras e freqüentemente tinham surtos violentos. Extremamente rígido, Jack costumava disciplinar os filhos com castigo físico, mas isso não incutiu em Thompson um sentimento de ódio contra o pai. A morte de Jack aos 57 anos, vítima de uma embolia cerebral, foi um impacto muito duro para Thompson, então enciumado pela atenção que o pai lhe negligenciava em favor do irmão caçula, Jim, com apenas um ano de idade. Virginia afundou-se ainda mais no vício e ele também começou a beber. Na época, Thompson tinha 15 anos.

Até então, Thompson era um atleta muito versátil, tendo organizado ele mesmo a maioria das equipes das quais fazia parte, do baseball até o basquete. O ambiente em que foi criado era propício: Louisville é famosa por ser o lar da primeira fábrica de bastões de baseball - os lendários Louisville Sluggers -, além de sediar anualmente o Kentucky Derby, um dos mais importantes eventos do turfe norte-americano. Seu pai também exerceu influência neste aspecto, sendo ardoroso fã do Kentucky Colonels, a equipe de baseball da cidade. Depois da morte do pai, contudo, ele acabou conseguindo um emprego no balcão de doces de uma lojinha na qual "não hesitava em comer os doces que deveria vender e logo que começou a ganhar peso, teve que deixar o time Castlewood" (Giannetti, 2002, p.22).

Ainda que tenha se afastado da prática de esportes, Thompson manteve o interesse escrevendo sobre o assunto para o Southern Star, que agora já havia aumentado em número de leitores e páginas. Isto, contudo, não o afastou dos problemas com a justiça: por volta dos 17 anos, Thompson costumava convencer colegas da escola a matarem aula para beber com ele, o que mais tarde acabou dando origem a um grupo que batizaram de The Wreckers, cuja principal atividade era praticar atos de vandalismo pela cidade. Por conta desse tipo de atividade, pouco antes de completar 18 anos, Thompson é condenado a sessenta dias de prisão por um assalto.Por sugestão do juiz que o condenara, ele aceita alistar-se na Força Aérea como parte da sentença.

Mandado à base de Eglin, durante algum tempo Thompson escreveu para o jornal Command Courrier. Ainda que a maioria dos soldados gostasse das suas matérias, ele não era muito popular entre os comandantes, que o consideravam um problema moral. Além disso, Thompson desobedecia a oficiais e às normas da base e escrevia com freqüência para outros lugares - o que não lhe era permitido. Apesar disso, conseguiu ser dispensado de Eglin com honras. Depois de enfrentar os mais variados problemas em pequenos diários nas cidades por onde passou, Thompson aceitou o convite de cobrir a América Latina para o National Observer e, mais tarde, de residir em Porto Rico escrevendo sobre boliche para a revista El Sportivo. O editor, na época, convenceu Thompson de que a revista seria a “Sports Illustrated do Caribe” (Othitis, 1994) mas não foi bem isso que aconteceu:

Eles estavam introduzindo o boliche em Porto Rico. Eu tinha de sair todas as noites para cobrir boliche em San Juan. O boliche estava ficando grande. Pistas estavam pipocando por todos os lados. O que se pode dizer sobre boliche? Os jogadores só querem ver seus nomes impressos. Esse era o essencial... cerca de metade do meu trabalho era garantir que todo jogador de boliche em San Juan tivesse seu nome na revista... e desde então eu odeio a palavra boliche. (Thompson, 1990, p.65).

A monotonia do trabalho acabou fazendo com que Thompson voltasse aos Estados Unidos em 1962, pouco tempo depois do assassinato do presidente Kennedy, e comprasse uma propriedade em Woody Creek, Colorado, que mais tarde tornou-se conhecida como Owl Farm, onde ele reside até hoje. Em busca de trabalho, Thompson percorreu todos os estados do meio-oeste e oeste escrevendo sobre "festivais de música e questões de interesse público" (Othitis, 1994) para o National Observer. A sua insistência em acrescentar conteúdo político às matérias contribuiu para que ele fosse designado para resenhar livros, mas antes disso os atritos com o National Observer começaram a se agravar com a recusa do jornal em publicar um tributo ao presidente Kennedy. Por fim, Thompson demitiu-se do National Observer quando recusou-se a escrever um artigo sobre o livro de Tom Wolfe The Kandy-Colored Tangerine Flake Streamline Baby.

Assim como muitos de seus contemporâneos, Thompson enfrentava o dilema do especialista em reportagem: queria escrever ficção mas via-se obrigado a buscar refúgio na sobriedade do jornalismo enquanto não alcançasse algum êxito literário. O surgimento do New Journalism veio renovar as esperanças de todos os aspirantes à romancistas - com Thompson não foi diferente. Utilizando técnicas de imersão semelhantes às de Dickens descritas anteriormente neste trabalho, ele decidiu viver durante dezoito meses entre os membros da gangue de motociclistas Hell's Angels para escrever um artigo publicado em 1965, na revista Nation.

A reputação dos Hell's Angels havia se alastrado pelo país desde que um relatório feito pelo então Secretário de Segurança da Califórnia, Thomas C. Lynch, havia os considerado uma ameaça. O famoso Lynch Report trazia denúncias de estupro, vandalismo e brigas causadas pelos motoqueiros, muitas delas baseadas em evidências bastante questionáveis. "Trazia, por exemplo, uma denúncia de estupro que havia sido feita pela vítima às risadas, sem que o exame de corpo delito tivesse encontrado sinais de penetração forçada" (Giannetti, 2002, p.28). O relatório ajudou a alimentar uma safra de matérias sensacionalistas sobre os Hell’s Angels, que muitas vezes não correspondiam ao que de fato havia acontecido. A idéia de Thompson era mostrar às pessoas até que ponto o Lynch Report se baseava na realidade, comparando trechos do relatório com as suas experiências na convivência com o grupo.

Durante esse ano e meio com os motoqueiros, Thompson participou de todas as atividades ilegais às quais eles estavam ligados. Eventualmente ele acabou se deparando com a questão do consumo de drogas entre os membros da gangue, e falou sobre o assunto de forma aberta e sem meias-palavras:

Os Angels insistem em dizer que não há viciados em drogas em seu clube, e, para todos os efeitos legais e médicos, isso é verdade. Viciados são centrados; sua necessidade física por qualquer que seja a droga em que estejam viciados os força a serem seletivos. Mas os Angels não têm foco algum. Eles devoram drogas como vítimas da fome soltas em um raro banquete. Eles usam qualquer coisa que esteja disponível e se o resultado disso forem gritos e delírio, então que seja." (Thompson apud Giannetti, 2002, p.29)

A idéia de Thompson nunca foi a de redimir os Hell's Angels perante a sociedade, por isso fazia questão de demonstrar que eles, de fato, viviam à sua margem. Thompson tinha uma preocupação em mostrar os dois lados desta mesma questão e deixar para o leitor a formação dos seus próprios conceitos, fugindo assim do sensacionalismo que imperava nas matérias sobre os motoqueiros.

É interessante ressaltar que foi justamente neste período junto com os Hell’s Angels que Thompson tornou-se consumidor habitual de entorpecentes, mais uma característica que o acompanharia em toda a sua obra a partir de então. O primeiro contato com o LSD é descrito pela jornalista Cecília Giannetti na sua monografia de conclusão do curso de graduação em jornalismo, Técnicas Literárias em Jornalismo Cultural:

Foi no período passado junto aos Hell´s Angels que Thompson experimentou o LSD pela primeira vez. O jornalista Ken Kesey, que o visitou em um agrupamento de Angels, ofereceu a droga e todos usaram. Foi depois dessa primeira experiência que Thompson passou a usar drogas com freqüência. (2002, p.29)

A repercussão da matéria fez com que diversas editoras fizessem propostas para editar um livro, que acabou sendo publicado pela Random House em 1967 sob o título Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang e reeditado mais de 35 vezes.

É importante observar que, ainda que as técnicas usadas para captar as informações e escrevê-las já fossem mais ousadas do que as praticadas pelo New Journalism, este artigo ainda não é considerado um exemplo do Gonzo Journalism. Wolfe escreve sobre essa variação dentro do New Jornalism no qual o repórter participa da ação de forma mais direta, sem, no entanto, referir-se a ele como um gênero à parte:

Em 1966 surgiu uma nova leva de jornalistas dispostos a se infiltrar em qualquer ambiente, incluindo-se sociedades fechadas, e sair com vida da empreitada. (...) Mas o prêmio Bolas de Ferro para escritores independentes correspondeu aquele ano a um obscuro jornalista da California chamado Hunter Thompson, que misturou-se aos Hell's Angels durante 18 meses - como repórter, não como membro para escrever Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang (...)" ( 1973, p.44)

O principal motivo pelo qual Hell’s Angels, ainda que escrito por Thompson, não seja categorizado como Gonzo Journalism é a ausência de algumas características fundamentais que serão descritas nos próximos capítulos deste trabalho. Outros autores, como Christine Othitis, reconhecem que: "Hell's Angels provavelmente é o único livro de Thompson que poderia ser chamado de new journalism (...) é o primeiro - e único - livro no qual Hunter mantém um estilo controlado de se expressar, no sentido de "escritura não-gonzo" (Othitis , 1994a).

Seu primeiro artigo a ser batizado de gonzo só foi publicado em 1970, na edição de junho da Scanlan's Monthly, uma revista de esportes que teve vida curta. The Kentucky Derby is Decadent and Depraved deveria ser um artigo sobre o mais famoso evento esportivo de Louisville mas acabou transformando-se numa ácida crítica ao modo de vida da população local, outra característica que se viu, a partir daí, em praticamente toda sua obra. George Plimpton descreve a tendência que Thompson tem de mudar de um assunto pro outro como uma tentativa de escrever sobre aquilo que ele acredita que os seus leitores querem ler. Na biografia Hunter, E.Jean Carroll entrevista Plimpton, que afirma que Thompson é uma "persona literária, e isso é muito raro" (1993, p.147). The Kentucky Derby is Decadent and Depraved não é realmente sobre a corrida de cavalos. De fato, a corrida em si aparece em cerca de 1% do artigo (aliás, o vencedor da corrida nunca é mencionado). A história é devotada ao encontro de Thompson com um bobalhão em um bar, caipiras de Kentucky, o encontro com o cartunista Ralph Steadman e a janta que os dois compartilham com o irmão de Thompson e a sua mulher.

Bill Cardoso, jornalista e amigo de Thompson foi quem cunhou o termo em uma carta sobre o artigo: "Eu não sei que porra você está fazendo, mas você mudou tudo. É totalmente gonzo" (Carroll apud Othitis, 1994a). Segundo Cardoso, a palavra orignou-se da gíria franco-canadense gonzeaux, que significaria algo como "caminho iluminado". Thompson adota o termo e pouco tempo depois aceita o convite de cobrir a Mint 400, uma corrida de motos no deserto de Nevada, para a Sports Illustrated. Na companhia de um amigo advogado, ele parte em direção a Las Vegas mas logo deixa de lado a corrida para concentrar-se em uma profunda análise sociológica dos viciados em jogo e drogas e todo o tipo de degenerado que se reúne em volta dos cassinos. O artigo é recusado pela Sports Illustrated, mas ganha destaque em duas edições da Rolling Stone, em novembro de 1971, publicado sob o pseudônimo Raoul Duke. Logo o artigo é editado como livro, sob o título de Fear and Loathing in Las Vegas: A Savage Journey to the Heart of the American Dream.

Ainda que seja um dos seus livros preferidos - e um clássico de culto -, Thompson sempre disse que esta foi uma experiência fracassada em gonzo jornalismo. "Minha meta era comprar um caderno grossão, escrever tudo à medida que ia acontecendo e aí mandá-lo, sem editar" (Othitis, 1994a). De todo modo, é com esse livro que Thompson conquista definitivamente o reconhecimento popular e o status de estrela tornando-se um dos mais fortes ícones de contracultura norte-americana no século XX, com direito a ter dois filmes de Hollywood baseados em seus textos. O primeiro, Where The Buffalo Roam (1980) traz o comediante Bill Murray no auge de popularidade no programa de televisão Saturday Night Live no papel de Hunter. Em 1998 é a vez de Johnny Depp estrelar a versão para o cinema de Fear and Loathing in Las Vegas. Othitis diz que o "Gonzo Journalism era um novo tipo de fenômeno do qual todos queriam fazer parte" (Othitis, 1994b).

Nos anos seguintes Thompson segue desenvolvendo o Gonzo Journalism em artigos para revistas como a Playboy e Rolling Stone, San Francisco Chronicle e, mais raramente para a Esquire e Vanity Fair e na publicação dos livros Fear and Loathing on the Campaing Trail '72, que originou-se de uma série de artigos para a Rolling Stone sobre a campanha presidencial de 72 de Nixon versus McGovern; The Curse of Lono, que deveria falar sobre a Maratona de Honolulu mas se perde em divagações sobre o folclore local; The Great Shark Hunt, que traz alguns de seus melhores artigos publicados em revistas; e Generation of Swine, coletânea de suas colunas da época de crítico de mídia no San Francisco Examiner.

Outros livros lançados por Thompson incluem Songs of the Doomed, de 1990, onde ele critica a geração pós-anos 60 que, segundo ele, teria traído o sonhos de uma "Nação Woodstock"; Better Than Sex, de 93, onde mais uma vez aparece o seu comentário político sobre a campanha presidencial de Bill Clinton em 1992; The Proud Highway: Saga of a Desperate Southern Gentleman, 1955-1967, publicado em 1997 é uma coletânea de cartas, assim como a segunda parte da antologia, Fear an Loathing in America: The Brutal Odyssey of an Outlaw Journalist, 1968-1976, publicado em 2000. Seu último livro a ser publicado foi o romance perdido The Rum Diary, em 1999, escrito no Brasil e em Porto Rico durante a época do El Sportivo. O livro conta a história de um jornalista anônimo (presume-se que seja ele mesmo), que, junto dos amigos acaba envolvendo-se profundamente na vida noturna portoriquenha.

Atualmente Thompson vive sozinho na Owl Farm, em Woody Creek, Colorado, onde passa seus dias caçando ursos e disparando contra quem tenta se aproximar de sua propriedade. Há um bom tempo comunica-se com o mundo apenas através do seu aparelho de fax. Mais recentemente vem escrevendo uma coluna semanal sobre esportes no website da emissora de televisão a cabo ESPN, sob o título Hey, Rube!

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