Com o intuito de diferenciar a produção jornalístico-literária específica da década de 60 nos Estados Unidos de toda a literatura de relato com características jornalísticas, escritores como Mark Kramer, autor de Literary Journalism – A New Collection Of The Best American Non-Fiction preferem chamar este gênero híbrido de literary journalism., ou jornalismo literário. Esta é uma distinção importante, que permite por exemplo que o Gonzo Journalism e o New Journalism sejam considerados gêneros distintos sob a mesma égide do Jornalismo Literário. Dessa forma, jornalismo literário é um termo que hoje serve para descrever todas as manifestações jornalístico-literárias percebidas ao longo da história, enquanto New Journalism refere-se apenas à geração de escritores e jornalistas norte-americanos dos anos 60, encabeçada por Wolfe, Talese, Breslin, Capote e Mailer, agora com o status de movimento literário. É curioso observar que, entre os autores incluídos sob essa denominação, a maioria rejeita o rótulo. Capote, ao falar sobre o seu A Sangue Frio, jamais referiu-se à obra usando o termo. Chegou a dizer ter inventado um novo gênero literário, o romance de não-ficção. Gay Talese não se sente confortável sob o rótulo new journalism porque, segundo explica em seu website , seus “romances com nomes reais” não são escritos como uma cruzada reformista. “São a minha resposta altamente pessoal ao mundo, enquanto um outsider ítalo-americano,” afirma. Sua orientação é mais pessoal que a do new journalism de Tom Wolfe. (Giannetti, 2002, p.15) Ainda que seja muitas vezes creditado inclusive por outros representantes do gênero como inventor da expressão New Journalism, Tom Wolfe diz que: Não tenho nem idéia de quem cunhou a expressão new journalism, nem quando ela foi cunhada. Seymor Krim me disse que a ouviu pela primeira vez em 1965, quando era redator-chefe da Nugget, e Peter Hamill o chamou para encomendar um artigo com este título sobre gente como Jimmy Breslin e Gay Talese. (Wolfe, 1976, p.38) Na verdade é difícil precisar quem foi que batizou o gênero com esta expressão, que traduzida literalmente para o português transforma-se em novo jornalismo. Uma vez que era um formato inédito (e, portanto, novo) de se fazer textos de caráter jornalístico, chega a ser óbvio o seu emprego. As raízes do termo, contudo, parecem remontar a 1887, quando foi usado para descrever os escritos de W.T. Stead no Pall Mall Gazette. Apesar de ter a consciência de que, além dele, diversos outros escritores contemporâneos também estavam aplicando técnicas literárias a textos jornalísticos, Wolfe jamais admitiu que o New Journalism representasse um movimento propriamente dito, até porque isso não representava a verdade. Não havia uma organização, um líder, um manifesto, "(...) sequer dispunha de um café onde se reunissem os fiéis, uma vez que não havia credo nem fé". (Wolfe, 1976, p.38) Eram apenas os ecos da inquietação sessentista exercendo uma influência artística com resultados semelhantes sobre o trabalho de jornalistas como Thomas B. Morgan, Brock Brower, Terry Southern e Gay Talese, na Esquire; Jimmy Breslin, Robert Christgau, Doon Arbus, Gail Sheehy, Tom Gallagher, Robert Benton, David Newman e Tom Wolfe, no New York. Em 1965, o New Journalism ainda era visto com maus olhos tanto por escritores quanto por jornalistas. Em abril deste ano, Wolfe publica uma paródia da revista The New Yorker no suplemento dominical do Herald Tribune, o New York, intitulado Pequenas múmias! A verdadeira História do Soberano da Terra dos Mortos Vivos da Rua 43. Apesar de ser um texto de cunho cômico, escrito na forma de um artigo nos padrões da velha escola do jornalismo, não tendo exigido técnicas de reportagem e nem literárias, sua repercussão foi intensa e desencadeou o primeiro grande ataque contra Wolfe e todos os principais expoentes do New Journalism. As manifestações mais contundentes vieram das publicações mais conservadoras tanto na esfera jornalística, representado pelas críticas feitas no Columbia Journalism Review*, quanto na literária, no artigo da The New York Review of Books**.
Além de classificar o gênero com termos pejorativos como forma bastarda e parajornalismo, as críticas atingiam não só autores como Wolfe, Schaap, Talese e Breslin, como também os periódicos que as publicavam, em especial a Esquire. O surgimento desta nova forma literária sem raízes nem tradições havia criado um verdadeiro pânico na comunidade literária, já que durante o século XX os literatos haviam se acostumado a perpetuar uma estrutura de classes já citada anteriormente, na qual o romancista gozava do posto mais alto, e, o jornalista, o mais baixo - "um nível tão baixo da estrutura que apenas se percebia a sua existência". (Wolfe, 1976, p.41) Entre os dois havia ainda a classe dos ensaístas, críticos literários, biógrafos, historiadores e cientistas. Esta estrutura começa a ser balançada com o surgimento de escritores situados na base da pirâmide, sem nenhuma credencial literária, que empregam largamente os recursos mais sofisticados utilizados pelos romancistas na prática do seu trabalho jornalístico. Na intenção de evitar a destruição desta estrutura, representantes das três classes somaram esforços para manter não-legitimada esta nova forma de narrativa, o que funcionou relativamente sem problemas até o final de 1965, quando um romancista de vasta reputação que havia caído no esquecimento resolve publicar em capítulos, no The New Yorker, a saga da vida e da morte de dois homens que assassinaram uma família de fazendeiros do Kansas. Tratava-se de Truman Capote e a sua mais famosa obra, A Sangue Frio, publicada como livro em fevereiro do ano seguinte. Pela primeira vez um escritor de renome flertava com a até então forma bastarda, o que não só conferiu ao gênero a legitimidade de que precisava como devolveu a Capote o prestígio que outrora teve, desta vez ainda mais pronunciado. Capote já havia produzido alguns dos maiores clássicos do jornalismo literário como o lendário perfil de Marlon Brando publicado em 1956 no The New Yorker, sob o título de O Duque em seus Domínios e Ouvindo as Musas, um relato da excursão de uma companhia de teatro americana à União Soviética em 1955. Para escrever A Sangue Frio, Capote passou cinco anos reconstituindo a história com o máximo de informações que pode obter. O trabalho começou em 1959, quando descobriu que quatro membros de uma família de fazendeiros da pequena Garden City, no Kansas haviam sido brutalmente assassinados. A New Yorker mandou Capote ao Kansas como enviado especial e durante os cinco anos seguintes ele "levantou os permenores mais ínfimos, ficou amigo dos policiais e dos dois assassinos, Perry Smith e Dick Hickock, e embatucou no livro até que ambos fossem eletrocutados". (Instituto Gutemberg, 1998) Em 1966 surgem as primeiras manifestações de um ramo ainda mais extremo do New Journalism, no qual o repórter não se limita a relatar, permitindo-se participar ativamente da ação. Através das reportagens de John Sack, que alistou-se no exército e foi para o Vietnam para escrever M; George Plimpton, que treinou com os atletas do time de futebol americano Detroit Lions e chegou a disputar uma partida da pré-temporada na confecção do seu Paper Lion; e Hunter Thompson, criador de um novo gênero denominado "gonzo jornalismo" (Carroll, 1993), que viveu durante dezoito meses com a gangue de motociclistas Hell's Angels para escrever Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang. A definição e as características do Gonzo Journalism serão abordados novamente nos próximos capítulos deste trabalho. Entre 1966 e 1967 novos nomes juntam-se à cena, como Rex Reed, que entrevistava celebridades, Joan Didion e os seus "artigos góticos estranhos" (Wolfe, 1976, p.44) e James Mills, que havia colocado a Life na lista de publicações simpáticas ao New Journalism. Em 1968 outro escritor de renome junta-se à galeria do New Journalism ao publicar em uma edição inteira da Harper's Magazine o relato sobre uma marcha no Pentágono que mais tarde, no mesmo ano, se transformaria no livro Os Exércitos da Noite. Norman Mailer não obteve o mesmo êxito popular que Capote com a sua incursão no gênero mas a comunidade literária e os intelectuais em geral reconheceram o valor de sua obra, o que lhe redimiu após o fracasso de dois romances inócuos publicados em 1965 (An American Dream) e 1967 (Why are we in Vietnam?). Mailer vinha escrevendo para Esquire há alguns anos e o seu trabalho como não-ficcionista era, segundo Wolfe, "evidentemente, o melhor que fazia" (1976, p.45). As técnicas desenvolvidas pelos autores do New Journalism não ficaram, contudo, restritas aos especialistas em reportagem dos Estados Unidos. O jornalista argentino Rodolfo Walsh, assassinado pela ditadura militar do seu país em 1977, acreditava que a reportagem era a arte da reconstrução dos fatos (apud Ungaretti, 2001). Para escrever seu livro Operação Massacre, ele passou meses na clandestinidade, com nome falso, e assim reconstruiu a história de um grupo de pessoas da cidade de La Plata, na Argentina, que é fuzilado num campo de futebol, após uma tentativa de "insurreição libertadora" (apud Ungaretti, 2001). Em 1966, no Brasil, a revista Realidade e o Jornal da Tarde abrigavam a maior parte da produção de textos com características do New Journalism. Marcos Faerman, Fernando Portela, Cláudio Bojunga e José Hamilton Ribeiro são alguns dos maiores expoentes do gênero na língua portuguesa. Apesar da literatura brasileira ter uma tradição semelhante no tocante ao relato, com Os Sertões, de Euclides da Cunha; e também ao realismo social, com Graciliano Ramos, o gênero teve uma existência efêmera no país. O jornalista José Arbex Jr, professor de História da Imprensa Brasileira na Faculdade Cásper Líbero, comenta esta brevidade: Existe uma diferença básica entre o público que consome jornal no Brasil e o público que consome o jornal nos EUA. Essa diferença é decorrente não apenas de diferenciações sociais, como padrão de vida, poder aquisitivo etc., mas também de cultura jornalística. Os EUA tem uma cultura de mídia, incluindo aí os consumidores, muito mais forte, muito mais densa, muito mais poderosa, do que a cultura de mídia no Brasil. (apud Lucas Toyama, 2002) O jornalista Igor Fuser, editor de internacional da revista Época completa: Os editores dos grandes jornais e revistas acreditam que o leitor atual não tem tempo para reportagens gigantescas lavradas em linguagem pouco objetiva, que só vai explicar a que veio lá pela metade. Além disso, na linha de montagem que marca o processo de elaboração das matérias, ninguém mais se permite o luxo de alocar um bom repórter para ficar um mês inteiro mergulhado numa única pauta. (apud Lucas Toyama, 2002) Fica claro aqui que a curta sobrevivência do New Journalism no Brasil deu-se principalmente pela ausência de uma tradição de leitura de jornais e periódicos no país e pelas novas relações de trabalho nas redações, que exigem uma equipe cada vez mais enxuta e resultados cada vez mais rápidos. Nos Estados Unidos, contudo, os êxitos alcançados com o New Journalism abriram precedentes para a evolução do jornalismo literário. Nas décadas seguintes ao auge do New Journalism, despontam outras estrelas no firmamento norte-americano do jornalismo literário, renovando sua prática e ampliando seu alcance. Nomes como Tracy Kidder, Mark Kramer, Joseph Nocera, Susan Orlean, Adrian Nicole LeBlanc e Lee Gutkind figuram entre os grandes representantes do gênero, que encontra espaços cada vez mais reduzidos atualmente.
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