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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS



1. NEW JOURNALISM


1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o
surgimento do New Journalism

No começo dos anos 60, "um novo e curioso conceito, vivo o bastante para inflamar os egos, havia decidido invadir os diminutos confins da esfera profissional da reportagem. Esta descoberta (...) consistiria em tornar possível um jornalismo que... fosse igual a um romance."(Wolfe, 1976, p.18) Era a mais sincera forma de homenagem ao romance que os jornalistas podiam prestar, sem nunca deixar de ter claro que a representação do artista soberano na literatura era o escritor.

Em 1962, Gay Talese publicou na Esquire uma história sobre o lutador de boxe Joe Louis cujo título era "Joe Louis: o Rei como Homem de Meia Idade" (apud Wolfe, 1976, p.19), que fugia totalmente dos padrões jornalísticos vigentes na época, assemelhando-se muito mais a um relato que a uma matéria jornalística propriamente dita, como demonstra o trecho que abre o artigo:

- Olá, querida - gritou Joe Louis a sua mulher ao vê-la o esperando no aeroporto de Los Angeles. Ela sorriu enquanto aproximava-se e quando estava a ponto de ficar na ponta dos pés para lhe dar um beijo, deteve-se de pronto.
- Joe, onde está sua gravata? - perguntou.
- Ai, querida - ele desculpou-se encolhendo os ombros - estive fora toda a noite em Nova York e não tive tempo... (...)
(Talese apud Wolfe, 1976, p.19)

Devido ao uso de passagens explicativas, descrição de cenas e diálogos, o texto de Talese poderia "transformar-se em um conto com muito pouco trabalho" (Wolfe, 1976, p.20), o que passava uma sensação de estranheza a quem lesse o artigo publicado sob a égide de "trabalho jornalístico" por conter informações normalmente dispensadas na redação de uma matéria de caráter informativo, como a pequena discussão entre o lutador e a sua esposa no aeroporto, por exemplo.

Na verdade, a cena onde o temido boxeador encontra-se com a mulher e que, a primeira vista, parece dispensável serve para que o leitor construa uma imagem mais precisa da dimensão humana de Joe Louis, que apesar de ser um campeão mundial dos pesos-pesados, encolhia os ombros diante da mínima reação irritadiça de sua mulher.

Ao ler o texto de Talese, o próprio Wolfe experimentou essa sensação que, ironicamente, seria a principal arma dos críticos do New Journalism nos anos seguintes. "Deus meu, talvez tenha inventado cenas inteiras, o mentiroso sem escrúpulos..." (Wolfe, 1976, p.21).

Algum tempo depois da publicação do perfil de Louis, Jimmy Breslin ganhou uma coluna no Herald Tribune. Receber a tarefa de escrever uma coluna foi e ainda é considerada uma promoção dentro das lides do jornalismo. Funciona como uma espécie de reconhecimento dos bons serviços desempenhados no campo da reportagem. Breslin havia publicado centenas de artigos em revistas como a True, Life e Sports Illustrated mas, segundo Wolfe, na época, lançar-se como colaborador independente de revistas populares era a melhor maneira de permanecer anônimo. Breslin ganhou a vaga graças ao interesse que seu livro, Can't Anybody Here Play This Game, despertou em Jock Whitney, então editor do Herald.

Segundo o próprio Wolfe, toda vez que um especialista em reportagem ganhava uma coluna, "se perdia um bom repórter e se ganhava um mal escritor" (Wolfe, 1976, p.22), posto que a maioria delas representava um estilo preguiçoso de se fazer jornalismo, como no trecho:

As colunas dos jornais tinham se convertido em uma ilustração clássica da teoria de que as organizações tendem a elevar as pessoas aos seus níveis de incompetência. (...) O arquétipo dos colunistas de jornais era Lippman. Durante 35 anos, Lippman aparentemente não fez outra coisa que ingerir o New York Times todas as manhãs, fagocitá-lo em sua ponderativa cacunda durante uns quantos dias para rapidamente ejetá-lo metodicamente sob a forma de uma gota de saliva perante várias centenas de milhares de leitores de jornais nos dias seguintes. A única reportagem de verdade que lembro-me de Lippman ter feito foi a visita protocolar a um chefe de estado (...)"(Wolfe, 1976, p.21-22)

Os colunistas de jornal, de uma forma ou outra, acabavam sub-aproveitando a liberdade literária de que gozavam, pois se lançavam com grande material, despejando fragmentos interessantes de vidas alheias por cerca de "oito a dez semanas" (Wolfe, 1976, p.22) até perderem o fôlego e encontrarem-se encurralados em temas tão pessoais quanto "as coisas engraçadas que aconteceram perto de sua casa outro dia, brincadeiras caseiras (...), um livro ou artigo fascinante que tenham estimulado sua imaginação, ou sobre qualquer coisa que tenham visto na televisão" (Wolfe, 1976, p.22-23).

Breslin, entretanto, promoveu uma verdadeira revolução no jeito como se escreviam as colunas de jornais. Durante os primeiros anos, seu trabalho gerou controvérsia tanto entre jornalistas quanto literatos. Sua descoberta revolucionária foi, na verdade, bastante óbvia: ele continuou trabalhando como repórter. Wolfe destaca um artigo que Jimmy Breslin escreveu sobre a condenação de um chefão do Sindicato dos Caminhoneiros acusado de extorsão chamado Anthony Provenzano, fazendo questão de atentar para os detalhes que ajudaram a construir a história, como a descontração antes do julgamento indicada pelo tapa que deu no braço de um amigo e o suor no lábio superior ao ouvir a sentença. O diamante que refletia a luz do sol no anel de Anthony foi usado como fio condutor de toda a narrativa, que encerrava observando que o fiscal que trabalhou para a condenação de Tony Pro não trazia nada que brilhasse em suas mãos.

Pareciam desconhecer em absoluto uma parte crucial do trabalho de Breslin: isto é, seu trabalho como repórter. Breslin transformou em costume chegar ao cenário muito antes do acontecimento com o fim de recolher material ambiental (...) que lhe permitiam criar um personagem. Do seu modus operandi fazia parte a coleta dos detalhes novelísticos - os anéis, a transpiração, as palmadas no ombro - e o fazia com mais habilidade que muitos romancistas. (Breslin apud Wolfe, 1976, p.25)

Tom Wolfe fez a sua primeira incursão neste híbrido jornalístico-literário em 1963, com a publicação, na Esquire, de Aí vem (Vruum! Vruum!) Este Carrinho Bonitinho Aerodinâmico (Rahghhh!) Fluorescente (Thphhhhhh!) Fazendo a Curva (Brummmmmmmmmmmmmmmm!). Era um artigo totalmente fora dos padrões de forma e conteúdo no jornalismo da época. Wolfe misturou rascunhos e esboços desleixados com erudição formal, usou conceitos da sociologia, epítetos e lamentos, tudo costurado de uma forma bastante tosca.

Para Wolfe o mais interessante não era a sensação de ter feito algo novo em jornalismo mas sim a descoberta de que era possível fazer descrições muito fiéis da realidade usando técnicas habitualmente utilizadas no conto e no romance, que serão descritas posteriormente neste trabalho. Isso significa que um artigo jornalístico poderia valer-se de qualquer recurso literário para cativar o leitor tanto pelos argumentos quanto pelo lado emocional.

Entre 1963 e 1964, Wolfe escreveu diversos artigos para a Esquire mas a maior parte de seus textos acabou sendo publicada no New York, suplemento dominical do Herald Tribune. Uma vez que os suplementos dominicais não tinham maiores pretensões, Wolfe sentiu-se tentado a fazer experimentos em seus artigos, aplicando recursos literários como a mudança do ponto de vista, o monólogo interior, citações literais de diálogos inteiros e caracterização de personagens, além da criação de novas funções para narradores até então seguidores de uma tradição de neutralidade dentro do jornalismo. Estas são precisamente as principais características do New Journalism no tocante à escrita do texto. Mas as propostas de renovação não ficavam apenas no tocante à redação dos artigos:

Estou certo de que outros que faziam experiências em artigos de revistas sentiam o mesmo, como Talese. Estavam ultrapassando os limites convencionais do jornalismo, mas não simplesmente no que se refere à técnica. A forma de coletar material que estavam desenvolvendo era também muito mais ambiciosa. Era mais intensa, mais detalhada (...) (Wolfe, 1976, p.34-35)

Naturalmente, este tipo de reportagem exigia um trabalho de coleta de dados muito mais intenso, minucioso e, por conseguinte, demorado do que se aplica normalmente. Os praticantes do New Journalism desenvolveram a particularidade de dispensar grande tempo para cobrir cada história, chegando a passar dias - e, em alguns casos, até mesmo semanas - com as pessoas sobre as quais escreviam, outro aspecto que será discutido mais adiante neste trabalho. Wolfe estava cada vez mais convencido de haver criado o híbrido ideal entre o jornalismo e a literatura, enquanto Gay Talese formula que:

O novo Jornalismo, embora possa ser lido como ficção, não é ficção. É, ou deveria ser, tão verídico, como a mais exata das reportagens, buscando embora uma verdade mais ampla que a possível através da mera compilação de fatos comprováveis, o uso de citações, a adesão ao rígido estilo mais antigo. O novo jornalismo permite, na verdade exige, uma abordagem mais imaginativa da reportagem e consente que o escritor se intrometa na narrativa se o desejar, conforme acontece com freqüência, ou que assuma o papel de observador imparcial, como fazem outros, eu inclusive. Procuro seguir discretamente o objeto de minhas reportagens, observando-o em situações reveladoras, anotando suas reações e as reações dos outros a eles. Tento absorver todo o cenário, o diálogo, a atmosfera, a tensão, o drama, o conflito e então escrevo tudo do ponto de vista de quem estou focalizando, revelando inclusive, sempre que possível, o que os indivíduos pensam nos momentos que descrevo. Esta visão interior só pode ser obtida, naturalmente, com a plena cooperação do sujeito, mas se o escritor goza da confiança daqueles que focaliza, isto se torna viável por meio de entrevistas, onde a pergunta certa é feita no momento exato. É assim possível saber e registrar o que se passa na mente das pessoas". (Talese, apud Ungaretti, 2001)

Neste ponto, tanto Talese como o próprio Wolfe concordavam que a principal vantagem de uma imersão tão pronunciada no objeto de suas reportagens era justamente o de poder oferecer uma descrição objetiva completa, onde a vida subjetiva e emocional dos personagens fosse um elemento a ser considerado. O jornalista Sérgio Villas Boas, em seu artigo Jornalismo Literário e o Texto em Revista, publicado no site Jornalite - Portal de Jornalismo Literário no Brasil fala sobre a necessidade da presença do jornalista na ação, para que a captação das sutilezas fosse o mais acurada possível:

Era primordial estar no lugar onde ocorriam cenas dramáticas para captar conversas, gestos, expressões faciais, detalhes do ambiente etc.; revelar os bastidores da matéria tanto quanto as impressões do repórter sobre o personagem. (2002)

Outra característica marcante nos textos do New Journalism é o uso de figuras de pontuação pouco convencionais no jornalismo, como reticências e exclamações, além de interjeições, onomatopéias e palavras sem sentido.

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