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INTRODUÇÃO

1. NEW JOURNALISM
1.1 As origens do New Journalism
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. Capote e Mailer reforçam o time
1.4. Definições e Características

2. GONZO JOURNALISM
2.1. Hunter S. Thompson e as origens do Gonzo Journalism
2.2 O que é Gonzo Journalism?

3. GONZO JOURNALISM VS. NEW JOURNALISM
3.1. A Imersão e A Osmose
3.2. A Captação Participativa
3.3. Foco Narrativo
3.4. Sarcasmo e Sobriedade
3.5. Ficção e Não-ficção
3.6. O uso de drogas no Gonzo Journalism
3.7. A fuga do foco principal
3.8. Epígrafes, pseudônimos e ilustrações Gonzo

CONCLUSÃO

OBRAS CONSULTADAS



1. NEW JOURNALISM


1.1. As origens do New Journalism

Tom Wolfe abre o famoso ensaio The New Journalism, onde fala sobre as origens do gênero e aponta os seus principais expoentes e características com a seguinte declaração:

Duvido que muitos dos que irei citar neste trabalho tenham se aproximado do jornalismo com a menor intenção de criar um novo jornalismo, um jornalismo melhor, ou uma variedade ligeiramente evoluída. Sei que jamais sonharam que nada do que escrevessem para jornais e revistas fosse causar tal estrago no mundo literário... provocar pânico, roubar da novela o trono de maior dos gêneros literários, dotar a literatura norte-americana de sua primeira orientação nova em meio século...(Wolfe, 1976, p.9)

Esta afirmação sugere que o movimento literário do qual fez parte no começo dos anos 60 foi algo concebido de uma forma despretensiosa e os seus resultados, puramente acidentais. Mas não se limita a isso: é também uma constatação sobre a surpresa com que o sucesso do gênero foi recebido tanto sobre escritores quanto jornalistas, que não tinham noção do poder deste novo formato jornalístico. O New Journalism nasce para, de certa forma, satisfazer uma necessidade que muitos jornalistas possuem: o sonho de escrever um grande romance. "Estou ansioso por apostar que, não há muito tempo, a metade das pessoas que iam trabalhar na imprensa o faziam na crença de que o seu desino real era o de ser romancistas."(Wolfe, 1976, p.16). Wolfe acreditava em uma espécie de hierarquia da literatura, na qual o status de romancista era o ponto mais alto a ser buscado. Em contrapartida, o jornalista desempenhava o papel mais baixo na escala de valores literários.

Nos Estados Unidos, no começo dos anos 60, as redações jornalísticas abrigavam basicamente dois tipos de jornalistas. O primeiro tipo era responsável por conseguir informações inéditas, em primeira mão - os furos de reportagem -, que afirmam, para o leitor, "a prevalência do jornal que ele lê sobre os demais jornais e meios de comunicação" (Manual da Redação da Folha de São Paulo, 2001, p.26). Além deles, outra espécie de jornalista também habitava as redações: os "especialistas em reportagem" (Wolfe, 1976, p.12).

O que lhes conferia um traço em comum era o fato de todos considerarem o jornal como um motel onde se passa a noite em sua jornada a caminho do triunfo final. O objetivo era conseguir emprego em um jornal, permanecer íntegro, pagar o aluguel, conhecer "o mundo", acumular "experiência", talvez polir alguma imperfeição do seu estilo... logo, em um momento, deixar o emprego sem vacilar, dizer adeus ao jornalismo, mudar-se para uma casinha em qualquer lugar, trabalhar dia e noite durante seis meses e iluminar o céu com o triunfo final. O triunfo final só poderia se chamar O Romance. (Wolfe, 1976, p.12-13)

Termo jornalístico usado para classificar um texto que não se encaixasse na categoria da notícia propriamente dita, a reportagem abrangia tudo relacionado a histórias de interesse humano, ou seja, textos que versavam sobre acontecimentos cômicos ou trágicos nas vidas de pessoas comuns. Também por isso, os temas da reportagem sempre proporcionavam uma maior liberdade na hora de escrevê-las. Estas características aproximavam a reportagem das narrativas realistas de ficção, com a exclusiva diferença de não haver - em tese e por definição - absolutamente nada fictício nos relatos publicados em periódicos.

Nos anos em que trabalhou escrevendo para o Herald Tribune, o próprio Wolfe se incluía entre os especialistas em reportagem, ao lado de Charles Portis, Jimmy Breslin e Dick Schaap, todos seus colegas no jornal, além de Gay Talese e Robert Lipsyte, que escreviam para o Times, e Michael Mok, do Daily News. Este último era considerado por Wolfe um "duro competidor" (1976, p.14), devido ao pouco apreço pela sua segurança quando o que estava em jogo era conseguir ou não contar a sua história. Mok tinha uma disposição natural para arriscar a vida em favor da notícia, o que se mostrou indispensável para o seu sucesso cobrindo a Guerra do Vietnam e o conflito árabe-israelense para a Life.

Em determinada ocasião, o Daily News mandou Mok e um fotógrafo cobrirem uma história sobre um homem extremamente obeso que pretendia perder peso isolando-se em um barco a vela ancorado no meio de Long Island South mas a lancha que alugaram para chegar até lá quebrou antes de chegar ao destino. Era inverno mas Mok jogou-se na água e nadou cerca de um quilômetro e meio até o barco a vela para conseguir sua reportagem, que foi publicada com fotos do próprio Mok nadando.

Estes esforços, contudo, não eram reconhecidos pelos diretores dos jornais, que "guardavam suas lágrimas para os correspondentes de guerra" (Wolfe, 1976, p.14). A reportagem era vista como um gênero menor, afirmação que pode ser confirmada pela observação de Wolfe a respeito da surpresa com que um dos diretores do New York Times havia recebido um elogio superlativo a um dos redatores mais populares de seu jornal, Israel Shenker: "Sim, mas ele escreve reportagens!" (Wolfe, 1976, p.15). Por conta destes momentos "terrivelmente amargos" (Wolfe, 1976, p.15), os especialistas em reportagem eram constantemente atacados por um sentimento de estarem apenas escondendo-se atrás de desculpas para não escreverem o seu romance. Este sentimento é melhor definido por Wolfe neste trecho:

A estas alturas - em parte por causa do próprio new journalism - fica difícil explicar o que significava para o Sonho Americano* a idéia de escrever um romance nos anos 40, nos anos 50, até o começo dos 60. O Romance não era uma simples forma literária. Era um fenômeno psicológico. Era uma febre cerebral. (Wolfe, 1976, p.15)

*Segundo definição do Cambridge Dictionary, Sonho Americano é a crença de que qualquer pessoa nos Estados Unidos tem a chance de ser bem-sucedida, rica e feliz se trabalhar duro. A expressão entrou no vocabulário americano em 1867 quando o escritor Horatio Alger lançou o livro "Ragged Dick", que contava a história de um órfão que trabalhou duro, poupou seu dinheiro e acabou tornando-se rico. A partir de então criou-se a crença de que através da honestidade, trabalho duro e forte determinação, o Sonho Americano estava disponível a qualquer um que quisesse fazer a jornada.

Em 1969, a Playboy publicou um artigo de Seymor Krim que falava sobre como o romance realista norte-americano da metade dos anos 30 - citando uma série de autores como William Faulkner, Ernest Hemingway, John dos Passos, James Cain e John Steinbeck, entre outros - havia despertado nele a vontade de tornar-se um romancista. O artigo acabou tornando-se uma confissão da frustração de Krim que, por volta dos quarenta anos, ainda não havia escrito o seu romance - e provavelmente nunca o faria - ainda que essa fosse a "irresistível paixão de sua vida, sua chamada espiritual, enfim, o motor que havia mantido o tictac do seu ego através de suas desgraçdas humilhações sofridas por sua flamante condição de homem" (Wolfe, 1976, p15-16).

Wolfe comenta que, na época, não entendia como um artigo desse tipo poderia interessar qualquer pessoa que não fosse um escritor mas é justamente aí que se engana.

Ele afirma que a palavra escritor refere-se apenas a uma pequena parcela de norte-americanos que sofreram da mesma peculiar obsessão de Krim, deixando de fora todos os que trabalham na televisão, relações públicas, cineastas, estudantes de letras, empregados, chefes e filhos solteiros que vivem com a mãe, "todo um enxame de fantasiadores que se proliferava nos estufados egos da América..." (Wolfe, 1976, p.16). Ainda sobre a importância que o romance exercia sobre todas estas pessoas, Wolfe diz:

O Romance parecia o último daqueles fenomenais golpes de sorte, como encontrar ouro ou extrair petróleo, graças aos quais, um norte-americano, da noite para o dia, em um abrir e fechar de olhos, podia transformar completamente o seu destino. (1976, p.16)

Esta noção se justifica pelo fato de muitos dos romancistas que se tornaram célebres nos anos 30 terem histórias de vida bastante ordinárias, o que facilita a identificação destes autores com o norte-americano comum. Caminhoneiros, lenhadores, mecânicos e agricultores haviam transformado o seu destino através da escrita. Faulkner, por exemplo, era lavador de pratos em um restaurante grego em Nova York. O fato de os romancistas serem pessoas comuns com vidas comuns ajudava a conferir uma aura de legitimidade em torno da obra, além de incutir no inconsciente coletivo do norte-americano a possibilidade de um dia mudar de vida através da literatura - mais uma das milhares de definições para o que se convencionou chamar de Sonho Americano, já conceituado anteriormente neste trabalho.

Nos anos 50, o panorama literário norte-americano tornou-se propício ao surgimento de uma nova mística em torno do romance. Com o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, havia se formado uma "suposição mágica" (Wolfe, 1976, p.17) de que o romance norte-americano experimentaria uma nova fase áurea semelhante à era Hemingway-Dos Passos-Fitzgerald, que surgiu após o final da Primeira Guerra. Isto ajudou a aumentar a distância que havia entre os jornalistas e os romancistas, do ponto de vista literário.

O cenário estava estritamente reservado aos romancistas, gente que escrevia romances e gente que rendia homenagens ao romance. Não havia espaço para o jornalista, a menos que assumisse o papel de aspirante-a-escritor ou de simples cortesão dos grandes. Não havia jornalista literário que trabalhasse para revistas populares ou jornais. Se um jornalista aspirava ao ramo literário... melhor que tivesse o senso comum e o valor de abandonar a imprensa popular e tentar subir à primeira divisão. (Wolfe, 1976, p.17)

Charles Portis e Jimmy Breslin tentaram subir à primeira divisão escrevendo seus romances. Portis o fez de forma a legitimar todas as suposições que se fazia sobre os reais desejos dos especialistas em reportagem. Sem avisar ninguém, simplesmente largou seu emprego de correspondente do Herald Tribune em Londres, voltou para os Estados Unidos e mudou-se para um casebre de pescadores no Arkansas onde escreveu, ao longo de seis meses, seu primeiro romance chamado Norwood. Pouco tempo depois escreveu o segundo livro, True Grift, que se tornou best-seller. Ambos foram sucesso de crítica e tiveram os seus direitos vendidos ao cinema, enriquecendo o autor e celebrizando-o como romancista, "o que equivale a dizer que o velho sonho, O Romance, nunca havia morrido". (Wolfe, 1976, p.18).

volta segue