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Pior que Getúlio,
melhor que todo o resto

Publicado originalmente na edição 26 da Revista VOID, em maio de 2007

Certo que eu tinha um monte de idéias pré-concebidas antes do nosso fatídico RENDEZ-VOUS, mas a verdade é que nada nesse mundo poderia me preparar para o que eu acabei encontrando naquela tarde de meio de semana no Centro Cultural Bruxa de Pano.

Depois de breve negociação com os administradores do local, estava feliz por ter a oportunidade de obter uma entrevista exclusiva com a maior lenda viva do rock nacional: Serguei.

Existe uma chance entre os 80% e os 90% de que você o conheça por conta de dois de seus maiores feitos, ambos, curiosamente, com pouca (ou nenhuma relação com a música).

Rezam as más-línguas que Serguei:

a) participou, nos anos 60, em Saquarema, de um menage-a-trois com ninguém menos que Janis Joplin e um ilustre alemão desconhecido - cuja bunda teria despertado mais instintos carnais no nobre roqueiro brazuca do que toda a extensão do corpo da gringa;

b) admitiu publicamente que é "pansexual", ao confessar, durante uma aparição no programa do Jô, que havia comido uma árvore (mais especificamente, um cajueiro).

Mas acontece que – felizmente – Serguei é muito mais do que isso.

Até encontrá-lo naquela tarde abafada e SENEGALESCA em uma parada remota entre Cachoeirinha e Gravataí, eu também não fazia idéia. Na verdade, até o momento em que o carro do Maurício (nosso fotógrafo de plantão) parou na frente do Centro Cultural Bruxa de Pano, eu ainda não tinha a menor idéia do que me esperava. Uma orgia de drogas e sexo livre capitaneada por órfãos de Woodstock e – principalmente – do Cio da Terra? Nariz empinado, arrogância e todas essas mazelas que costumam circundar as estrelas do rock?

A essa altura, pouco importava.

Quando avistei os dois homens corpulentos deitados, sem camisa, sobre as mesas de sinuca que ficavam na parte externa do imenso galpão, tive a certeza de que a tarde que se iniciava seria surreal.

Assim que fazemos menção de atravessar a porta de entrada, os dois se levantam e vem em nossa direção. A recepção é calorosa. Alguns outros homens, todos igualmente sem camisa e trajando apenas calças de brim, se juntam aos primeiros. Conversamos durante alguns segundos até identificarmos um LÍDER. É ele quem nos serve de guia, e nos leva até a simpática ante-sala rock'n'roll montada exatamente na cabeceira daquilo que, em um futuro não muito distante, já foi uma pista de boliche. Pinos e bolas rudimentares ainda ganham pó, encostados por al em pequenas quantidades, mas são quase invisíveis em meio aos sofás de pano vermelho, os tapetes, a TV antiga e as dezenas de vinis que decoram as paredes. Um ambiente deveras agradável, é preciso que se diga, apesar do calor quase insuportável que faz na cidade.

"Onde é que tá o Serguei?", um deles grita.

"Serguei tá no camarim", diz o outro, apontando para um box improvisado, de onde emana o som típico de uma chuveirada.

"Construímos aqui um espaço especialmente para receber o Serguei. Não é nenhum cinco estrelas, mas já quebra um galho", diz o LÍDER. De fato, quebra um galhão. Bem ajeitado, mesmo, o recanto de Serguei.

Súbito, a porta do box é aberta e passa, em um flash, aquela figura sui generis, que parece saída de um passado lisérgico e improvável, ainda com a cabeleira molhada:

"Já falo com vocês", nos diz, sem nos olhar, e parte em direção ao quartinho batizado de camarim.

Meio minuto depois, eis que a lenda reaparece, agora em definitivo. Sorridente e bem disposto, com uma surradíssima camisa preta do "Jornal do Rock" e uma ainda mais surrada calça de brim, ele cumprimenta todo mundo, pega uma VOID que lhe entregamos e senta no encosto do sofá, os pés descalços sobre o assento.

Nas próximas duas ou três horas, teríamos eu, o Maurício, e o Rafa – nosso bravo estagiário, que acompanhou tudo de perto – uma das experiências mais inusitadas de nossas vidas.

De minha parte, juro pra vocês que tentei manter uma linha lógica na conversa, fazer perguntas dentro de uma certa ordem e tudo o mais, mas foi simplesmente impossível. A mente de Serguei funciona em uma freqüência que não se pode compreender – muito menos acompanhar. Durante toda a entrevista, ele não ficou parado em um mesmo lugar por um período superior aos 2 minutos. Subia no sofá, sentava no sofá. Daí, de supetão, ficava em pé, começava a cantar e dançar. Depois, caminhava a passos largos, dando piruetas e tocando air guitar, por toda a extensão da pista de boliche desativada. Sentava em cima das mesas de sinuca. Pulava. Dava chutes, gritinhos, girava. E o raciocínio acompanhava toda essa inquietude, pulando de lá pra cá entre assuntos tão diversos quanto a política e o rock'n'roll, passando por alguns dos subterrâneos mais obscuros de sua imensa memória – e/ou imaginação.

Na real, o mais incrível foi perceber que nada daquilo se tratava de um teatrinho, e que, ao mesmo tempo, também não representava uma total falta de conexão com o mundo real. No meio de histórias quiméricas e devaneios intermináveis, volta-e-meia até que ele dizia uma coisa muito massa, e mostrava que tinha uma boa noção da realidade. Soma-se a isso o fato de ser, Serguei, um tremendo de um anfitrião. Ficava o tempo todo procurando uma forma de nos fazer sentir à vontade em sua companhia. Sumia cozinha adentro e voltava com uma bandeja com copos gelados de refrigerante. Pedia ventiladores. Se preocupava com os melhores ângulos para as fotos, as melhores luzes. Ou seja, não estava simplesmente flutuando, ali.

Por outro lado, toda vez que se deparava com o exemplar da VOID 24 (que trazia Kafu, o cãozinho salsicha do Maurício na capa), ficava fascinado como se a estivesse vendo pela primeira vez. Hipnotizado pela foto da capa, abraçava e beijava a revista, e perguntava todas as vezes de quem era aquele cachorro.

Mas tenho certeza de que o Maurício nem se importou em responder "é meu" todas as vezes.

A grande verdade é que, apesar de meio fora do conceito que muitos podem ter de “normalidade”, o Serguei é um cara muito gente fina. Simpático, divertido, engraçado e carismático. Não estava bebaço nem doidão (ou pelo menos foi o que pareceu), e, apesar dos 73 anos, demonstrou um pique de garoto de 20. Passei a tarde saracoteando de um lado pro outro, bancando o contorcionista e me movendo de maneira heróica, para deixar sempre o gravador ao alcance da sua boca. Tarefa nada simples, diga-se de passagem. Mas divertida pra caralho.

No fim, depois de abraçar um cachorro aleatório que pintou no pedaço, nos mostrar uma fita VHS com um show do ABSINTO (quem tá na faixa dos 25 vai lembrar...) no qual ele aparece vestido de Ursinho Blau Blau e recusar-se a posar nu porque certa feita o amigo TORBEN GRAEL lhe havia dito que seu pau era "grande demais para aparecer numa revista", Serguei ainda pediu que eu, o Maurício e até o Rafa (que ele havia apelidado de FOCA, depois de compará-lo a um peruano), déssemos os nossos AUTÓGRAFOS no exemplar da VOID que havíamos lhe dado, com uma promessa:

"Vou botar lá no Templo do Rock."

Na verdade, duas:

"Quando vocês estiverem em Saquarema, vocês podem ficar lá em casa, tem bastante espaço..."

Que figuraça, o Serguei.

Metralhadora verborrágica total.

Nem deu tempo de começar a entrevista: quando me dei conta ele já tinha começado a nos contar que era uma pessoa tão bem quista que o PRESIDENTE DA COCA-COLA havia se compadecido da situação da casa em que o roqueiro vivia, em Saquarema, e lhe presenteado com uma nova, onde foi instalado o famoso Templo do Rock.

Foi bem no meio desse raciocínio que eu apertei o REC, e o resto é história...

SERGUEI: (Imitando o Dono da Coca-Cola) A umidade está consumindo uma área maravilhosa da sua casa, assim... Ai, você ficar doente, SERGUEI. Esse aqui é o presidente da minha companhia, do Rio, esse aqui é o arquiteto (Estendendo a mão para cumprimentar). E nós vamos ver o terreno que a prefeitura nos deu, e daqui a 15 dias eu começo a construir sua casa.

CARDOSO: Quando foi isso?

SERGUEI: Ah, já tem uns seis meses que eu to lá.

CARDOSO: E o museu do rock?

SERGUEI: O templo do rock.

CARDOSO: Mas vem cá, ele já existia na casa antiga?

SERGUEI: Sim, já existia. Tem a cerquinha de madeira aqui (aponta para um lugar imaginário) e ai o portãozinho aqui (aponta para outro lugar imaginário) eu deixei tudo branco pra combinar e eu gosto. O templo do rock tem uns refletores na frente, umas estrelas tipo calçada da fama, tudo de cimento. Tem escrito Beatles, Stones, SERGUEI, Rita Lee. Por mais que somos do 3o mundo...

CARDOSO: Mas também representamos...

SERGUEI: Mas porra, não é bem assim, eu morei 20 anos na América, junto com a minha vó, a mesma que fez a minha cabeça. Minha vó é americana por parte de mãe, eu tenho identidade por lá.

CARDOSO: Mas por que teu nome é SERGUEI?

SERGUEI: Porque o povo americano gosta muito dos russos. Eles são um povo legal, gostam muito de todos, eles se preocupam com tudo. Tem uma frase assim, que define muito, the american people cares about him...

CARDOSO: Mas tu não acha que o povo americano only cares about american people?

SERGUEI: (gritando) NÃO NÃO NAOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! Não, não.. o governo americano e o povo americano, se preocupa com o Estados Unidos da América... Porque você tem que entender uma coisa, o Brasil nada mais é do que um país miserável e de mortos de fome. E que não tem sequer o respeito da comunidade internacional, porque não tem por onde. Minha vó dizia assim, e meu pai dizia “Essa velha é maluca” e eu falava “Não é não, eu fui lá” Eu estudei na América, eu estudei no Rose High School. Minha vó tá coberta de razão. Minha vó dizia assim “Vocês são burros e preguiçosos. Porque tem nas mãos um continente e por ele nada fazem. Olha nós aqui e vocês nesse buraco.”

CARDOSO: Da onde era sua vó?

SERGUEI: Americaníssima...

CARDOSO: Quando que tu foi pros Estados Unidos?

SERGUEI: 60, 70 e 80, mas eu voltei porque eu sou muito agarrado aos meus pais. Aí tudo bem. Mas ninguém consegue ficar mais do que seis meses aqui. Você fica em Londres, Estados Unidos, mas se você perguntar pra brasileiros, eles dizem “Eu não gosto de americanos”. Mas que pena, porque se você está lá e fala que não gosta de americanos eles vão perguntar “por que tá aqui então?” Se eu pudesse, eu morava em San Francisco ou Nova York. O resto eu dispenso porque é merda. No mais, sempre, sempre, sempre, porque the life is only about uma bela televisão, um carrão e dinheiro no bolso. Uma vez um americano falou assim “Mas deixa eu perguntar pra vocês, naquele lugar lá, da onde você veio, da América do Sul...” – ahn, Brasil, seu estúpido – “...tem facilidade de banheiro? Toma banho de chuva? Puxa válvula?” E eu nem respondi. Uma vez um americano esteve aqui no Rio, no meu apartamento, ele ficou batendo nas paredes e dizendo “fantástico!” Porque lá quando bate vento, lá leva tudo! Aqui não! Eu nasci aqui, mas não levanto bandeira, porque eu prefiro dizer que sou cidadão da Terra do que qualquer outra coisa. Porque o que você está vendo ali (aponta pra fora da janela, pro céu), não é brincadeira, uma cara assim... (aãããããããh argh!!)

CARDOSO: Os alienígenas? Tu acredita nos alienígenas?

SERGUEI: Sim, porque quem não acreditar, não ta nem vivo, né?

CARDOSO: Mas assim, não existe uma prova cabal que existe.

SERGUEI: Como não tem? Tem sim.

CARDOSO: Então tu tem?

SERGUEI: AH! (Subindo em cima do sofá e manuseando a VOID) Fiquei fascinado com essa revista. Bom, meu pai me proibia de falar alguma coisa sobre o Brasil. “Você é um artista, as pessoas passam depois a não gostar mais de você. Elas querem é a mentira, não pode. A coisa mais importante num homem é a palavra. Poder dizer, falar.” O que quer dizer, que muitas vezes, eu combati com as palavras. A imprensa muitas vezes tem o direito de dizer, muitas vezes, o que ela quiser, menos de dizer que eu sou sexy. (Risadas) Tenho 73.

CARDOSO: Me diz uma coisa, o que tu tá fazendo aqui em Cachoeirinha?

SERGUEI: Vou te dizer uma coisa, o Brasil é assim. Como é que pode ter desenvolvido de São Paulo pra baixo... (Caminhando pela pista de boliche) eu sou a cara da minha mãe... (Sentando em cima de uma mesa de sinuca) ...mas o sul é uma beleza! A prova que o Brasil poderia se desenvolver é com o Sul. Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Paraná.

CARDOSO: E Rio, porque tu não inclui nessa? Muita bagunça?

SERGUEI: O Rio não. Era lindo, uma maravilha, mas não tem nada mais lindo, agora.

CARDOSO: Tu esteve nos anos 60 no Rio de Janeiro? Aquilo lá devia ser o paraíso.

SERGUEI: E era, porra.

CARDOSO: Sabe que uma vez eu tava aqui no aeroporto de Porto Alegre de manhã cedo e eu te vi passando pelo saguão. E sabe como eu te reconheci? Porque tu tava dançando com uma criança às 6 da manhã.

SERGUEI: Eu adoro criança. Isso é o bonito do povo aqui do sul. O povão. Pode dizer que o povo daqui é muito bonito. 80% do povo daqui é bonito. Sarado.

CARDOSO: Mas o que tu tá fazendo aqui? Por causa do povo?

SERGUEI: Também por causa do povo. Eu vim aqui por causa do beijo na boca. Aqui é a terra do beijo na boca!

CARDOSO: Mas a terra do beijo na boca não é a Bahia?

SERGUEI: Não fala assim... hehehe, não fala assim...

CARDOSO: Bom, mas aonde mais tu vai fazer show? Porto Alegre e que outra parte do Rio Grande do Sul?

SERGUEI: Bom, eu não conhecia o Rio Grande do Sul, nem Manaus. Nunca fui a Manaus. O resto do Brasil eu conheço. Mas aí vim e tal. O rock’n’roll é uma coisa pra ser mostrado a todos. Eu pinto minha boca, uso uma calça... eu ia no show do Flávio Cavalcante, na época da ditadura militar eu apanhei muitas vezes. Uma vez na praça Mauá, porque eu estava conversando com um marinheiro americano. Todos eles estavam num bordel querendo pegar mulheres. Aí apareceram os policiais e a gente saiu correndo até que apareceu o Beto, do tele-catch, e ele falou “Serguei, o que você tá fazendo aqui?” Porque eu cantava rock num bordel, apanhei da polícia. Mas depois me liberaram. Eu não posso contar flashes, porque se eu contar fico aqui até ano que vem... (Saltando da mesa de sinuca e ficando de pé, solene) Não existe nação sem povo. Por menos ou mais que façamos, se não é o que façamos, tudo que é feito aqui, se não, devia ser direcionado para o povo daqui. (De mãos na cintura, fazendo discurso) Ô povo vaidoso. Nós somos auto-suficientes em petróleo. O Brasil é auto-suficiente. E eu assim, comecei a bater palma. Não podia falar mais nada! O que tem a ver isso? Eu ainda falo, qual é a vantagem de sermos auto-suficiente em petróleo e querer ter a gasolina mais barata se ela não é? Falam que a nossa gasolina é a mais barata do mundo, mas o dia que isso for verdade eu vou por uma camisa verde amarela, pôr um abacaxi na orelha e sair por aí descascando uma banana.

CARDOSO: Mas tu anda de carro? Usa essas facilidades dos tempos modernos, ou usa um meio alternativo?

SERGUEI: Eu ando de bicicleta.

CARDOSO: Por exemplo, aqui nessa tua temporada aqui no RS tu não tem nada contra...

SERGUEI: Não, tanto que tá tudo certo. Tanto que eu e você, ou cada um, tem que ser feliz. Então eu tenho que ser feliz onde estou, com o que eu tenho, pra poder também ajudar o próximo. Eu me lembro uma vez, o presidente Kennedy, na aliança para progresso, mandou milhões de latas de leite condensado para matar a fome das criancinhas do nordeste. Aliança para o Progresso. Aliança pra nós, progresso pra eles. Sempre culpando o vizinho rico. Sabe o que aconteceu com as latas de leite? O governo brasileiro assinou. E foram roubadas todas as latas. O governo roubando o próprio povo. O governo roubou e o culpado foi o americano. E a outra metade que sobrou, estragou, apodreceu, porque não tinha onde guardar.

CARDOSO: Qual é tua posição a respeito das drogas?

SERGUEI: Das drogas? Ah, a maldita folha da maconha, é uma coisa.... A maconha, por exemplo, é um dom. Mas nada em excesso é demais.

CARDOSO: Mas tu é a favor dessa coisa que existe no Brasil que é proibido o cara fumar maconha?

SERGUEI: Aqui, por exemplo, não poderia ser que nem na Holanda, porque drogas pesadas destroem, consomem as pessoas. Por exemplo assim, a felicidade química é a coisa mais estúpida e horrorosa que existe na humanidade. Se tem uma sensação maravilhosa foi quando eu cantei no Maracanã e pediram pra eu cantar Summertime, pediam pra eu enxugar o meu suor com as camisetas que tinham o rosto da Janis Joplin e o povo ficava louco. Nos Estados Unidos tem uma coisa muito legal que eu não sei se aqui tem, de ir nos shows e cobrir o evento pra fazer uma critica depois. Debbie Taylor escreveu num jornal chamado Good Times: “ele rola no chão e anda de pés descalços como um garotinho que descobriu que as escolas são inconstitucionais.” (Caminhando pela sala) Tem que existir um elo entre palco e artista, porque você não conhece o artista através do disco. A única forma de conhecer o artista é no palco. Porque nos não somos cantores, somos interpretes. Maria Godoy e outros, são grandes cantores. Mas nós não somos cantores. Somos interpretes. A música popular. O rock’n’roll o que é? Chico Buarque tá aí. Que maravilha. Eu acho muito chato e não vou ouvir, mas acho um letrista exemplar.

CARDOSO: O que tu ouve de musica?

SERGUEI: Eu ouço rock e blues.

CARDOSO: Mas sente falta do punk dos anos 70?

SERGUEI: Não, dos anos 70 nada, porque foi a época que entrou a disco music aqui no Brasil. Prefiro tudo que tenha sido produzido nos anos 60. Tudo que veio dessa época, foi bem feito. Por exemplo, uma vez me perguntaram o que eu acho do Rap. Eu pensei “Rap? É um idiota vomitando desgraça no meu ouvido o tempo todo. Tu acha que eu vou pagar 10 reais pra ver um show pra ver um filho da puta reclamando?” As musicas são (cantando) “O morro do Borel/ a gente somo/ a gente tamo muito danado/ a policia chegou e matou o garotinho/ a mãe do garotinho/ o pai do garotinho é assassino/ e o garotinho tá sozinho/ e nois tamo aqui/ e a polícia tá batendo/ a gente ta sofrendo/ e tamo aqui sofrendo” Bixo, eu quero sair, eu quero ver uma estrela exaltada, guitarra, baixo. Eu quero uma banda de rock!

CARDOSO: Tu gosta de Caetano?

SERGUEI: Eu gosto, mas o Caetano da Tropicália. (Cantando e interpretando) “Sobre a cabeça os aviões, sob os meus pés os caminhões Aponta contra os chapadões meu nariz Eu organizo o movimento, eu oriento o carnaval Eu inauguro o monumento no Planalto Central do país”. Isso sim é música boa! Desculpa fazer isso, mas eu misturo um pouco as coisas.

CARDOSO: Tudo bem, eu também misturo e muitas vezes nem sei aonde eu vou chegar. Mas deixa eu te perguntar uma coisa, tu acha que tá muito longe da tua aposentadoria, quais são teus planos pro futuro?

SERGUEI: (Segurando o repórter pelo pescoço) Eu vou agredir o repórter!!! HAHAHAHA! Não pode perguntar isso! Não pode! Hahahaha!

CARDOSO: E como é que tu faz pra te manter inteiro?

SERGUEI: Eu canto Help! no palco, canto Deep Purple. (Fazendo alta performance) Pulo pra cá, pulo pra lá, faço guitarras aqui, faço gritos ali.

CARDOSO: Ta, e lá em Saquarema, tu pega uma onda?

SERGUEI: Ah, tem uma que é assim, (cantando) “Quem é esse? Esse tal de Roque Enrow!” (...) e essa revista aqui (apontando pra Void) Que revista bonita! Posso pegar pra mim?

CARDOSO: Claro, a gente trouxe ela pra ti. Pode levar ela.

SERGUEI: Ah, que legal, achei muito linda.

CARDOSO: Pois é, eu tenho que te fazer uma pergunta inevitável sobre o Serguei, que todo mundo faz. Me conta sobre o teu romance com a Janis Joplin. Pra começar, como ela foi parar em Saquarema?

SERGUEI: ODETE ROITMANN?! Pra começar a Janis pra mim ela é a própria Odete Roitmann. A Odete Roitmann em versão americana. Como eu sou, se você olhar pra mim melhor, eu sou a própria Beatriz Segal. A Janis era uma mulher baixinha, pouca coisa mais baixa que eu, sardenta e querida.

CARDOSO: Por que tu não foi pra América, tentar fazer carreira?

SERGUEI: Não, eu fui tentar fazer carreira lá, a própria Janis me convidou pra ir lá. “You got to go back to America” ela disse uma vez. Mas quando eu conheci a Janis, foi de uma forma bem engraçada. Eu estava nos Estados Unidos, quando eu ainda morava com a minha vó, e eu olhei de longe o Laudir e a Janis. Mas olhando de longe eu pensei “Um porto-riquenho e uma cigana.”. Até que eu cheguei perto e reconheci ele. Gritei “LAUDIR!” e ele “SERGUEI!!” E ela ali, nos olhando.

CARDOSO: Mudando um pouco de assunto, o que tu acha da internet?

SERGUEI: É um mal necessário.

CARDOSO: Mas tu acessa?

SERGUEI: Não, não! Eu sou muito inquieto e ai não consigo ficar parado na frente daquela tela. (Fazendo que tá digitando) E-U T-E A-M-O T-E-N-H-O O M-A-I-O-R T-E-S-A-O E-M V-O-C-Ê, Porra, não fode! Eu sou uma pessoa que preciso dizer na cara. Uma vez conheci um garotão que ele era muito bonito, ele ficou sem jeito e perguntou “pô, assim na lata?” e eu falei “na lata não, não to vendo lata aí, só uma cara muito bonita por sinal.” Tenho que falar isso na cara!

CARDOSO: E aonde mais que tu vai fazer show aqui?

SERGUEI: Aqui em Cachoeirinha, que amanhã, no dia do show, vai estar bem limpinho aqui. Sempre peço pra que sentem no chão. Se reclamam que vai estar sujo, eu falo “Manda lavar lá em casa, que aí eu lavo tudo, só não mando de volta, porque o sedex é muito caro, tem que ir buscar!” Mas também uma vez eu toquei na loucura que é o Jekyll. Lá não tem palco, quando vê tudo se mistura, não se sabe onde vai o resto da banda e o que é que tá subindo no palco. O povo gaúcho é muito louco, a juventude aqui é muito louca! Uma vez aqui, no meio da loucura um dos meus integrantes da banda quis tocar uma musica diferente, ele falou “Vamos tocar uma do Queen, Love of my life.” E eu fiquei ali, parado, escutando a música e eu não lembrava nada da letra. E nada de vir a letra. Até que um garoto gritou “UHHHHHH” e eu “Que Uhhh o que garoto, eu vou lembrar da letra. Vou acabar essa porra!” E eu lembrei da letra na mesma hora. Sai cantando “You remember....” E eu falei “Não disse que eu ia lembrar a porra da letra? Lembrei!” Nesse mesmo dia uma loira tentou me agarrar e eu tive que fugir dela. Tenho tudo isso gravado no Templo do Rock. Quando eu tava aqui em Porto, essa semana ainda eu tava na TV COM, no Estúdio 36, e encontrei a Danuza Leão. Aí fiquei olhando ela e gritei “Danuza!” E ela me viu e falou “Serguei! Não tinha te visto por aqui”. E eu falei “Eu tinha, mas fiquei olhando um bom tempo pra ter certeza que era você”. “Mas e esse cabelo, Serguei?” e eu falei “É cabelo colado com bonder! É um pouco do meu cabelo de verdade, pra fazer volume.” Fica bonito assim. Tipo mega hair. Uma vez a Roberta Close dormiu lá em casa, cada um pra um lado, eu fiquei catando fios de cabelo dela na minha cama, pra colar em mim... que que eu falei mesmo?

CARDOSO: Da Danuza Leão... SERGUEI: Isso! O cara da TV COM fez uma gravação com os dizeres “O encontro inusitado de Danuza Leão e Serguei” Foi engraçado o que ela disse depois, se eu estava bem por ter comido uma melancia. Eles tavam perguntando se eu tinha comido melancia de outra forma... Da mesma forma que eu como um cabrito, ou uma árvore. Por falar nisso, já viu aquele dia que eu fui no Jô?

CARDOSO: Sim, vi sim.

SERGUEI: Eu falei que sou pansexual, ai ficaram me enchendo o saco. Eu falei, que não sou homossexual, heterossexual, não sou bi, não sou porra nenhuma, sou pansexual. Aí o Jô perguntou o que é pansexualismo. E eu expliquei que uma vez eu tava caminhando pela trilha dos cajueiros, quente pra burro, eu tava a fim de bater uma, me escorei num cajueiro e bati. Quando eu tava quase lá, eu me abracei na árvore e fiz ali. Então comi a árvore. Até guatemalteco me contatou “Usted comeste la arvore? El muchacho que comeu la arvore!” Sim, comi. Algum problema? O Brasil é um país muito atrasado, porque adianta a tecnologia, mas não adianta a cultura. Pega TV em qualquer parte do mundo, mas a cabeça continua atrasada. Tenho fã até na Itália. Uma vez um italiano veio falando “Sou seu fã” em italiano. E eu já fui adiantando “No capisco italiano” mas que se ele quisesse falar em qualquer outra língua, não tinha problema.

CARDOSO: Pra encerrar, qual seria uma mensagem pros gaúchos e pros leitores da Void?

SERGUEI: Depois de Getulio Vargas, a coisa mais importante que aconteceu aqui no sul, foi a minha vinda pra cantar aqui, no Bruxa de Pano.

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