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Guia de Sobrevivência
do Homem Muito Branco
no Verão Extremo do Litoral Brasileiro

Publicado originalmente na edição 217 da Revista TRIP, em dezembro de 2012 sob o título Exército Vermelho ( PDF )

Quando se fala, pensa e canta o nosso mulato inzoneiro é muito comum que venha à cabeça a imagem de um povo apolíneo e amistoso, cheio de ginga, alegria e (principalmente) com muita disposição para torrar no sol. É nada menos que justo. No fim das contas, o Brasil é um país fartamente abastecido por praias paradisíacas e, de fato, povoado por uma expressiva maioria que mal pode esperar o primeiro sinal do verão para botar as paletas ou as coxinhas de fora e dar início aos trabalhos no seu cobiçado bronze.

Há, todavia, um outro lado nesta moeda.

Vivendo sua vida próximo a um trópico, o Homem Muito Branco está acostumado desde cedo a sofrer este pênalti. Mesmo nos estados do sul, onde é mais abundante, ele já enfrenta temporadas senegalescas o ano inteiro. Quem é gaúcho conhece bem os fenômenos "veranico de maio”, uma espécie de preview do verão antes de começar o inverno; e "pudim de calor", quando a umidade e a temperatura atingem juntos picos tão elevados que o ar torna-se semissólido. Imagina no nordeste? Ou no extremo norte, bem pertinho da linha do Equador? De um jeito ou de outro, o cara tem que aprender a se defender.

Pensando nas dificuldades enfrentadas por este escasso fruto no pomar das raças brasileiras e tendo em vista a chegada inclemente da temporada anual de praia que acompanha o verão, decidi elaborar um pequeno Guia de Sobrevivência para o Homem Muito Branco no Litoral Brasileiro. Afinal de contas, como diz meu bom amigo Frei Hermann, cuja face parece um sol de tão larga, acolhedora e iluminada, “ninguém tem pena de alemão grandão”.

Nem mesmo o sol.

a) PROTEÇÃO

Muito embora o branco seja a frequência do espectro que menos absorve os raios solares, refletindo-os de forma extrema, vale notar que o Homem Muito Branco não é de fato muito branco, e sim alguma coisa entre o consideravelmente rosa e o vagamente creme. Portanto, vale a atenção: apesar da camiseta branca oferecer uma sensação térmica bem mais aprazível do que a preta, o mesmo não é verdadeiro no tocante à tez.

a.1) BLOQUEADORES SOLARES

Segundo pior câncer envolvido no processo de ir à praia para o Homem Muito Branco (o primeiro é o câncer de pele). Que coisa penosa acordar todo dia de manhã e ter de besuntar o corpo com uma pomada oleosa tão grossa que, quando o cara finalmente consegue se livrar dos últimos vestígios já é hora de passar tudo de novo. Isso sem falar nas marcas modernosas que acrescentam aromas adocicados ao creme, atraindo a presença de abelhas e atiçando o faro de cães mais sensíveis.

a.2) ABRIGOS

Guarda-sóis são bons. Barracas são boas. Até a sombra de uma frondosa árvore é boa – e aí com a vantagem de geralmente vir acompanhada do farfalhar de suas folhas, efeito sonoro que, combinado com o arrebentar das ondas, produz uma sensação de grande relaxamento. Mas a melhor técnica para se proteger da exposição direta ao sol continua sendo o "ficar em casa no ar condicionado jogando games."

a.3) INDUMENTÁRIA

Apesar de parecer uma balbúrdia na Babilônia, a verdade é que toda praia, por mais chinfrim que pareça, tem suas regras de etiqueta. O Homem Muito Branco não obedece a nenhuma delas. Não por ser dotado de um espírito rebelde indomável, apenas por uma questão de sobrevivência. Com os termômetros marcando 40 graus, vale tudo na luta pela vida: usar dois bonés (um virado para trás para proteger o cangote) ou "papete" fatal para não grelhar a sola dos pés. No tocante à roupa de banho, há diferentes escolas, que variam de estado para estado. Em alguns o cara pode causar furor ao usar uma sunga asa-delta, em outros por usar uma bermuda cáqui com bolsos múltiplos e de cinto. Mas como mais cedo ou mais tarde o Homem Muito Branco vai ter de entrar de camiseta no mar, a real é que tanto faz. Ainda sobre o assunto: a grande vantagem do sungão sobre a sunga é que o primeiro ajuda a esconder melhor o saco em uma emergência. Enfim. Só dando um toque.

b) HIDRATAÇÃO

Não sei se o Homem Muito Branco sua mais ou menos do que o Homem Muito Negro, Índio, Mameluco ou Cafuzo - todavia suponho que sue mais do que o Muito Oriental. De qualquer modo, manter-se hidratado é fundamental. Só há duas possibilidades de fazer isso:

b.1) COM ÁLCOOL

Tudo bem que a cerveja nacional é um elixir terrível de milho e repolho que só dá dor de cabeça, barriga inchada e peidorreira cabal, mas se há um contexto em que ela se torna aceitável é: gelada pra burro, na beira da praia, num dia de sol. É também a postura que faz o Homem Muito Branco parecer o menos gringo possível, já que todas as demais modalidades (uísque com gelo feito de água de coco e, principalmente, caipirinha) vão atrair vendedores de artesanato rupestre, tatuagens removíveis e passeios de escuna num raio de aproximadamente 8 km.

b.2) SEM ÁLCOOL

Água, de preferência da torneira, pra já ir acostumando o organismo (leia mais no item d). A água fornecida pelo fruto coco também pode ser consumida, bem como as demais águas fornecidas pelos demais frutos (alguns chamam de 'sucos').

c) INTERAÇÃO

Se você é um legítimo Homem Muito Branco, pelo menos uma vez na vida você já foi tirado pra gringo na praia. É aquela coisa: o camarada te chama de mister, quer cobrar qualquer coisa mais caro, fica oferecendo passeio de jegue e mergulho de snorkel sem parar. Uma das técnicas para driblar esse constrangimento consiste em falar português bem alto, gesticulando o máximo possível, para todo em volta mundo perceber que você, na pior das hipóteses, é um sueco muito familiarizado com o idioma. Nunca usar camisas havaianas nem da Seleção Brasileira de Futebol também ajuda. Outra coisa boa é evitar a combinação bermuda cáqui com múltiplos bolsos e papete. Se possível, evite também o papete. Quando for pedir uma caipirinha, peça pelo menos uma “caipiroska” para acrescentar veracidade local. E mais importante de tudo: somente dance em público se você for profissional.

d) ALIMENTAÇÃO

Por não ser contumaz frequentador da praia, o Homem Muito Branco costuma ter o estômago deveras sensível às suas guloseimas. Atenção especial para o consumo de ostras frescas ou para aqueles camarões que os malucos carregam o dia inteiro nuns potes de plástico e depois assam numa latinha com carvõezinhos em brasa. Já picolé, casquinha, milho verde e queijo coalho: mais tranquilo. Até o safado do caldinho de sururu, que tem tudo pra provocar um piriri no cidadão costuma não dar merda.

Muito embora nutricionistas no Brasil e no mundo recomendem em uníssono o seu consumo, não leve suas frutas à praia. Se você é mesmo um Homem Muito Branco, você transa frutas estranhas. Imagine que você está lá curtindo um barato com os seus amigos e aí, muito casualmente, puxa uma carambola da valise. Pronto. "Olha lá, o gringo tá comendo carambola." E aí, coberto de bloqueador 60, a bermuda cáqui toda molhada, de camiseta do Hard Rock Café de 1993, sombreiro, papete (e se bobear até meia) lá se foi o seu último bastião de dignidade. Melhor evitar. A coisa toda já é tão difícil. Pra que complicar?

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